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The nib of the black ink pen glides across the paper, inextricably linked to the hand that draws. The wrist elevates it, freeing it from the burden of flesh—fragile and unable to rest against the smooth, unblemished surface—while it perseveres in motion.

And who is it that freely draws this hand?

From an aerial perspective, each point moves, forming a trail of lines that are humanly straight, thus perfectly imperfect and parallel. These lines narrate a biography, their darkness tearing through the whiteness of the page and extending to the edge, where they believe they can reach through the agency of their free will.

Here lies the conclusion of his private odyssey, which is, in truth, nothing more than the draftsman’s capitulation to his blurred vision and the encroaching pain that steadily invades the muscles of his drawing hand—the first victims of his own gesture and the peculiar handwriting he creates.

After a well-deserved respite, the length of which he decides for himself, the draftsman, a modern-day Sisyphus, meticulously begins anew, drawing at the smallest possible distance from the previous line, continuing his parallel narrative from a fresh point.

He too, like Sisyphus, is convinced of his freedom, believing he can relinquish his compulsion at will, when in reality, he is merely a human point traversing what will ultimately reveal itself as a straight line connecting two four-digit numbers—those dictating his beginning and end.


Pedro Goulão

June 2019



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Versão em Português


O aparo da caneta de negra tinta que percorre o papel, inseparável dele, é a extensão natural e inexorável dos dedos da mão que desenha, livre e suspensa no ar pelo pulso, que assim impede que a carne, que é sempre fraca, se apoie, repousando, na superfície lisa e despautada da folha, enquanto persiste no movimento.

E que desenha, livremente, essa mão?

A vista aérea de cada um dos pontos que se deslocam, formando, com o seu rasto, linhas humanamente rectas e, por isso, perfeitamente imperfeitas e paralelas, que deles narram a biografia, enquanto rasgam com o seu negrume a brancura da superfície e se prolongam até ao limiar do papel, onde julgam chegar pelo poder do seu livre arbítrio.

É aí que se dá o fim da sua odisseia particular que, na verdade, não é mais do que a capitulação do desenhador ao olhar que se turva e à dor que lhe invade progressivamente os músculos da mão que desenha, vítimas primeiras do próprio gesto e da estranha caligrafia que ele produz.

Após uma merecida pausa, cuja duração é livre de decidir, o Sísifo desenhador recomeça, então, meticulosamente, à distância mínima que lhe é possível da linha anterior, narrando a história paralela de um novo ponto.

Também ele, Sísifo, está convencido que é livre, que a qualquer modo poderá abdicar da sua compulsão, quando, na verdade, é nada mais que um ponto humano que se desloca naquilo que se revelará, um dia, ser um segmento de recta que une dois números de quatro dígitos, aqueles que ditam o seu início e fim.

Pedro Goulão
Junho 2019