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"The geometric line is an invisible thing. It is created by movement.”
Wassily Kandinsky
Point and Line to Plane, 1926
Rui Soares Costa keeps record of time in drawings.
On paper, on wood.
Using paint, using fire.
He keeps record of time in a line, because the line, Kandinsky assures us, “is an invisible thing. It is the track made by the moving point.” Here, this track, a bit slower or more fleeting, more thorough or more casual, more subtle or more stressed, draws the shorter line between two points. “This is the straight line”, Kandinsky explains, “whose tension represents the most concise form of the endless possibilities of movement”. (1)
Tension, conciseness, endless possibilities. Fundamental motives in Rui Soares Costa’s practice, tuning in his artistic and scientific background. With degrees in Painting and Cognitive Sciences, his artistic practice follows a distillation that comes close to the abstraction in scientific investigation. Karl Popper tells us that one can describe science “as the art of systematic over-simplification. The art of discerning what we may with advantage omit.” (2) Rui Soares Costa’s artistic research shares this methodology, stripping each exercise to the bare essential, free of accessory or superfluous elements. The outcome of this conceptual rigor is a work committed to a fixed set of parameters and a short number of variables. The same format, the same proportion, the same formal element - the line. One or another support, one or another tool, the same agent.
On paper he draws as many parallel lines in the smallest area possible, the extremely thin lines drawn extremely close together, yet never touching. Within these constraints there is an infinite number of possibilities to be explored. The title of each work tells us the number of lines drawn and the number of pens used, like a bureaucratic account of the use of time and matter. Yet, opposed to this conceptual, formal and material economy there is a drive to discover, to search further into the subtlety of drawing. This exhaustive process of (re)cognition can be passed along to the viewer, who gazes and discovers, as on the horizon, something infinitely new.
The artist is interested in the vibratory nature of texture, the life potential left by the pen on the paper with each drawn line, and the tension that results from compacting these lines. We see some of this in Kandinsky, for whom “to find life” and “to make its pulsion visible” are the primary goals of theoretical research.
The months taken into each drawing linger in the vibration of the lines. The longer the artist devotes to this exercise, the greater the number of lines he is able to draw closer together. In the background, the accumulated time of all his finished drawings is reflected in between the lines of every new piece.
Whereas paper can store for months-worth of work, wood captures but mere seconds of it. Support, tools and technique may differ, but it is still time we are discussing. Fire can scorch wood in brief moments, leaving behind traces of its fleetingness. The remaining matter is nothing but support, wood on wood. The flame has been extinguished a long time ago, its mark is made of absence.
The time underlying each work is also the time of our gaze, revealing a mere variation or tone or decoding a rhythmic sequence of subtle oscillations and intervals. The verticality and scale of the pieces bring out the physicality of time, choreographing, in the gallery space, a back-and-forth of approach and retreat, from assimilating the blot to reading what is said in between the lines.
Rui Soares Costa records time in his drawings, whereas time is, as he says, “the only thing we cannot add to existence”. Walking the wind accounts for the lightness of time’s invisible tracks, and the reconstructing temporality of its memory.
Joana Valsassina
April 2019
(1) Wassily Kandinsky, Ponto, Linha, Plano (Lisboa: Edições 70, 2006): 61
(2) Karl Popper, The Open Universe: An Argument for Indeterminism (Londres: Routledge, 1992): 44
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Versão em Português
“A linha geométrica é um ser invisível [que] nasce do movimento.”
Wassily Kandinsky
Ponto, Linha, Plano, 1926
Rui Soares Costa regista o tempo em desenho.
No papel, na madeira.
Com tinta, com fogo.
Regista o tempo em linha. Porque a linha, como garante Kandinsky, “é um ser invisível. É o rasto de um ponto em movimento.” Aqui, este rasto, mais lento ou mais fugaz, mais meticuloso ou mais fortuito, mais subtil ou mais marcado, traça o menor percurso entre dois pontos. “Esta é a linha recta,” explica Kandinsky, “que apresenta, na sua tensão, a forma mais concisa da infinidade de possibilidades do movimento.” (1)
Tensão, concisão, infinidade de possibilidades. Motivos cumulativos
fundamentais na prática de Rui Soares Costa que sintonizam o seu percurso artístico e científico. Formado em pintura e em ciências cognitivas, a sua prática artística segue uma linha de depuração que se aproxima da lógica de abstracção inerente à investigação científica. Diz-nos Karl Popper que se pode descrever a ciência “como a arte da super-simplificação sistemática. Como a arte de discernir o que se pode omitir.” (2) A investigação artística de Rui Soares Costa partilha
desta estratégia metodológica, reduzindo cada exercício ao essencial, livre de elementos acessórios ou supérfluos. Produto deste rigor conceptual, surge um trabalho balizado por uma série de parâmetros fixos e por um número restrito de variáveis. O mesmo formato, a mesma proporção, o mesmo elemento formal − a linha. Um ou outro suporte, uma ou outra ferramenta, um mesmo agente.
Sobre o papel, desenha o maior número de linhas paralelas no menor espaço possível, extremamente finas e extremamente próximas, sem que se cheguem a tocar. Dentro dos constrangimentos que define, resta uma infinidade de possibilidades a investigar. No título de cada obra indica o número de linhas desenhadas e o número de canetas gastas, como uma contabilização burocrática do uso de tempo e matéria. À economia conceptual, formal e material contrapõe-se uma vontade de descoberta, de ir mais longe na procura da subtileza do desenho. Este processo exaustivo de (re)conhecimento é extensível ao espectador, que percorre o olhar e descobre, como no horizonte,
algo infindavelmente novo.
Ao artista interessa-lhe o carácter vibratório da textura, o potencial de vida deixado pela caneta no papel a cada linha traçada, e a tensão que resulta da sua compactação. Revemos algo de semelhante em Kandinsky, para quem “encontrar a vida” e “tornar percetível a sua pulsão” constituem os objectivos primeiros da pesquisa teórica.
Os meses inscritos em cada desenho perduram na vibração das suas linhas. Quanto mais tempo o artista dedica a este exercício, maior é o número de linhas que é capaz de desenhar com maior proximidade. No fundo, o tempo acumulado de todos os desenhos que completou repercute-se nas entrelinhas de cada novo trabalho.
Se o papel armazena meses de trabalho, a madeira captura meros segundos. O suporte, a ferramenta e a técnica diferem, mas falamos ainda de tempo. O fogo marca a madeira em instantes, deixando o rasto da sua fugacidade. A matéria que ali perdura é apenas suporte, madeira sobre madeira. A chama extinguiu-se há muito e a sua marca é feita de ausência.
No tempo latente de cada obra vive também o tempo do olhar, que pode revelar uma mera variação de tonalidade ou descodificar uma sequência ritmada de subtis oscilações e intermitências. A verticalidade e a escala dos trabalhos exacerbam a fisicalidade do tempo, coreografando, no espaço da galeria, um ziguezague de aproximação e recuo, da assimilação da mancha à leitura do que se conta nas entrelinhas.
Rui Soares Costa regista o tempo em desenho, sendo o tempo, como diz, “a única coisa que não poderemos adicionar à existência.” Estes pés só pisam vento regista a leveza do seu rasto invisível e a temporalidade reconstrutiva da sua memória.
Joana Valsassina
Abril 2019
(1) Wassily Kandinsky, Ponto, Linha, Plano (Lisboa: Edições 70, 2006): 61
(2) Karl Popper, The Open Universe: An Argument for Indeterminism (Londres: Routledge, 1992): 44