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sala117 is proud to present the first solo exhibition in Porto by the artist Rui Soares Costa (1981). Titled Un(dancing Skeleton, this curatorial project explores how the artist's working method embodies a sense of performativity. Through restrained bodily movements, Costa evokes artistic languages that are both uplifting and promising. The exhibition revisits several previously presented series—Honey Series, Winter Series, and Sweet Series—while also showcasing his latest work: the Lifeline Series. Accompanying each series are four soundtracks composed by musician André Gonçalves, in addition to an original soundtrack created specifically for this exhibition, which intertwines the previous tracks into a cohesive soundscape. By presenting these four distinct series together and including a worktable that lists the studio practices, the exhibition underscores that the artist’s methodological approach is, in itself, a process that, while methodical and cerebral, is deeply rooted in a sensitive and unpredictable physicality.
The Sweet Series, introduced in 2016, is referenced on the studio worktable through a brief note. This series, crafted with sugar and enhanced with varnish to create designs in varying hues, emphasizes the vulnerability of material forms over time. With sugar as an organic medium, the works not only highlight the fragility of physical bodies but also serve as a memory of the past gestures that brought them into being. By situating this work alongside other elements of the artist's process—such as numbers, notebooks, and pens—the installation reinforces the significance of memory in the act of creation, especially the subtle interaction between sugar and varnish. The accompanying music generates an organic atmosphere, presenting an eternal melody that never repeats.
Employing another unconventional medium, fire, Costa has developed the Winter Series since 2017. Recognizing that fire transforms matter through both destruction and creation, the artist manipulates wooden plywood to reveal drawings—some random, others intentional. This series is executed with two key tools: a blowtorch and a liquid firelighter. The blowtorch allows for expansive gestures, either burning intensely to create tears in the plywood or enabling more controlled lines that resemble precise drawing, all choreographed through minimal body movements. The liquid firelighter facilitates an indirect combustion, revealing the artwork's hidden aspects as blackened areas emerge from the surrounding flames. This duality—of intentional gesture versus uncontrolled outcome—opens up new knowledge about the body's limitations and capabilities.
The Honey Series, presented in 2018, consists of works created with various colorless varnishes on wood. The interplay of brightness and opacity across layered surfaces invites reflection on themes of visibility and invisibility. Rather than merely revealing shapes or textures—typically simple forms like squares—the focus shifts to the movements of both the artist during creation and the spectator during viewing. This oscillation between revelation and concealment becomes the essence of the work.
Performativity, understood as the act of creating and experiencing the work, is also inherent in the Lifeline Series, which has occupied much of the artist's research since 2017. Through the meticulous execution of straight, parallel lines drawn with a fine pen—extremely close together yet never touching—the artist engages in a repetitive movement that conveys deep meaning. This process transforms the passage of time into a timeless expression, encapsulating mortality and finality. These continuous lines serve as mediations between the artist’s gestures and the spectators’ interactions with this narrative.
Returning to the worktable featured in the exhibition, viewers will find small notes indicating numbers, which document the lines drawn and the pens used in the Lifeline Series. This meticulous, almost scientific record-keeping contrasts with the intoxicating and sensitive surfaces of the poetic drawings. Ultimately, through the physicality of the Winter Series, the mutability of the Sweet Series, and the invisibility of the Honey Series, Rui Soares Costa’s body of work emerges as an emotionally charged choreography that transcends time, inviting viewers to experience the essence of its creation. Each work embodies a passage of flesh that redefines the gesture as a dancing skeleton.
Hugo Dinis
June 2019
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Versão em Português
A sala117 apresenta a primeira exposição individual no Porto do artista Rui Soares Costa (1981). Intitulada (Un)dancing skeleton, o projecto curatorial tenta desvelar como o método de trabalho do artista é revelador de uma perfomatividade. Através de um contido movimento do corpo, se permite intuir linguagens artísticas edificantes e promissoras. A exposição é uma oportunidade de revisitar algumas séries de trabalhos apresentados anteriormente — Honey Series, Winter Series e Sweet Series —, bem como mostrar o mais recente trabalho que o artista tem vindo a realizar: Lifeline Series. Serão igualmente exibidas as quatro bandas sonoras da autoria do músico André Gonçalves que acompanharam cada série. Também será apresentada uma banda sonora original, composta para a ocasião pelo músico, que alberga, como um emaranhado de sons, o conjunto das bandas sonoras anteriores. Ao enunciar num mesmo espaço as quatro séries distintas de trabalho artístico, e ao pontuar o espaço expositivo com uma mesa que enuncia o atelier, tentar-se-á notar que o fio condutor da metodologia que o artista tem vindo a desenvolver é, em si mesmo, um processo que, apesar de metódico e cerebral, pertence a um corpo sensível e imprevisível.
As obras Sweet Series, apresentadas em 2016, são meramente enunciadas por um apontamento na já referida mesa de trabalho do atelier. Trata-se de uma série realizada com açúcar a que se junta verniz formando desenhos em diferentes tonalidades. Através da utilização do material orgânico, açúcar, e considerando que se trata de uma matéria mutável com a passagem do tempo, esta série de trabalho expõe não só a vulnerabilidade dos corpos matéricos, como também a memória do gesto passado que lhe deu a origem. O facto de esta obra se encontrar inserida numa mesa em que constam outros elementos do processo de trabalho do artista, como pequenas notas com números, cadernos, canetas, etc., reforça o carácter de referência à memória do gesto que produz as obras, ou seja, a leve reacção entre o açúcar e o verniz. A música que acompanha esta série cria um ambiente orgânico numa música eterna que é concebida de forma a nunca se repetir.
Recorrendo a outra ferramenta não convencional, o fogo, o artista desenvolve desde 2017 as obras Winter Series. Tendo em conta que o fogo, enquanto gesto transformador de matéria pode ser igualmente destruidor e gerador — por um lado, queima o contraplacado de madeira; e por outro, revela desenhos, uns aleatórios outros controlados — é um constante inventor de uma nova linguagem artística. Estas obras são realizadas através de duas ferramentas gestuais fundamentais: maçarico e acendalha líquida. Com a primeira ferramenta — maçarico — o gesto pode ser expansivo, ou seja, a queima é mais intensa e chega a fazer rasgões no contraplacado, ou pode ser mais controlado, em que é possível desenhar linhas directas que se aproximam de uma escrita precisa e atenta ao seu próprio desenho. Ambas as situações são realizadas através de um corpo que coreografa o mesmo gesto em mínimas oscilações. Com a segunda ferramenta — acendalha líquida — a combustão da madeira é feita num gesto indirecto que desenha o não visível da obra, ou seja, o negro é realizado através do fogo que rodeia a acendalha líquida. Neste sentido, apesar do gesto realizado ser revelador de uma intenção, o resultado final é livre e, até, descontrolado. É nestas duas experiências diferenciadas que se desenvolve uma promessa de um novo conhecimento sobre o corpo, nomeadamente, sobre os seus limites e os seus alcances.
As obras Honey Series, apresentadas em 2018, são realizadas recorrendo a diferentes vernizes incolores colocados sobre madeira. O jogo entre o brilho e a opacidade, entre as diversas camadas, entre o reflexo do espectador e a sua ausência, faz com que esta série de trabalhos tenha vindo a reflectir sobre a visibilidade e a invisibilidade. Contudo, mais que revelar os objectos ou os efeitos presentes na obra — tratam-se de formas simples como quadrados ou texturas — o movimento ou o gesto tanto do artista ao realizar a obra como do espectador ao vê-la, torna-se o centro de uma performatividade que se excede na obra presente. Esta oscilação entre a revelação e a ocultação é em si mesma a obra que se apresenta.
Esta ideia de performatividade, entendida como o movimento para se realizar e/ou para ver a obra, está também presente nas obras Lifeline Series, que têm ocupado grande parte da investigação que o artista tem vindo a realizar desde 2017. Através da execução de linhas direitas e paralelas entre si, extremamente próximas, mas que nunca se tocam, realizadas a caneta muito fina, o artista executa um movimento contínuo e repetitivo que preenche o seu próprio significado. Trata-se do momento em que a passagem do tempo se intemporaliza e se vê refém da sua mortalidade e do seu fim. O desenho destas linhas contínuas, como uma história de vida compactada no momento em que é desenhada, com diferentes percalços ou acasos ou desconfortos, torna estas obras mediações entre o gesto que o artista promove e o olhar do espectador que percorre esse registo ou essa história.
Retomando a mesa de trabalho presente na exposição, é possível ver pequenos apontamentos que indicam números. Trata-se da contagem do número de linhas desenhadas e do número de canetas utilizadas para realizar cada desenho da Lifeline Series. Esta contabilização precisa, formal e meticulosa, quase científica, parece entrar em dissonância com a superfície inebriante e sensível dos poéticos desenhos. Contudo, através da fisicalidade do fogo da Winter Series, da mutabilidade do açúcar da Sweet Series e da invisibilidade da Honey Series, o corpo da obra de Rui Soares Costa revela-se uma intensa coreografia sentimental que parece esvaziar o seu próprio tempo para o oferecer aos seus espectadores. A passagem da carne que cada obra carrega transforma o gesto num esqueleto dançante.
Hugo Dinis
Junho 2019