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Versão em Português

Conversa entre Ana Matos e Rui Soares Costa
22 de Maio e 10 de Setembro de 2017, Lisboa


Ana Matos (AM): Quando é que voltaste dos EUA?
Rui Soares Costa (RSC): Finais de 2012.

AM: E como é que foi esse regresso? Começaste logo a aproximação a estes trabalhos - que não se podem chamar bem de artes plásticas, visuais - como é que isso surgiu? Foi quando vieste ou já lá tinha essa vertente?
RSC: Não houve um momento em que tenha começado. Ou de outra forma, essa aproximação existe desde sempre. Desde que fiz a formação em psicologia a par da formação em pintura no Ar.Co, e antes até, claro, isso sempre esteve presente. A única coisa que verdadeiramente se alterou - vá, duas coisas - foi a escala dos trabalhos, como que refletindo a outra coisa que mudou, que foi o investimento, o tempo dedicado. Se antes era uma coisa que acontecia nos interstícios do resto da vida, passou a ser a atividade central. Desde essa altura passei a dedicar todo o tempo a isto de ser artista plástico a tempo inteiro. Desse ponto de vista aconteceu nessa altura, no início de 2013. Antes, não é que tivesse estado parado, quer dizer, durante o doutoramento houve períodos que estive menos ativo. Até porque um doutoramento é assim como uma espécie de bomba de neutrões para tudo o que não é o tópico em causa. Tudo o resto se eclipsa. Tirando isso, sempre esteve presente.

AM: Mas era só uma questão de escala, ou tinha a ver com a própria intenção e esforço intelectual, digamos assim?
RSC: As diferenças explícitas, as que saltam à vista, são essas, as de escala e o facto de 2013 em diante passar a existir um tempo totalmente dedicado às artes plásticas. Essa foi uma consequência de uma mudança de vida. Mas aquilo que foi uma escolha consciente foi começar a trabalhar numa escala que não me constrangesse ou manietasse.  Estes trabalhos precisam de respirar, precisam de espaço. Estas são as duas diferenças que eu vejo mais óbvias. Claro que depois haverá outras. Havendo mais tempo, há também mais pensamento, reflexão, seja a conceber os trabalhos, seja a forma como se relacionam entre si e com o mundo. Mas isso é apenas a consequência natural daquilo passar a ser a atividade central, quando antes era acessória.

AM: Mas essa mudança tem a ver com alguma insatisfação? Houve alguma coisa no teu percurso académico ligado mais especificamente à psicologia, procuravas outras coisas? Isto é, o que é que te levou a mudar? Ou foi uma evolução natural?
RSC: Foi uma transição bastante disruptiva. Não foi nada contínuo, natural. Quer dizer, enquanto muito jovem havia estas duas dimensões - conhecimento e arte - que eram muito presentes e que eu achava que iriam fazer sentido juntas no meu trajecto. Só que acabaram por caminhar como que se afastando um bocadinho. A componente do conhecimento, da produção de conhecimento científico, filosófico, e a parte das artes plásticas, visuais. Eu achava que me iria posicionar ali, entre uma coisa e a outra. No fundo foi esse o desenho de início profissional de vida que fiz quando decidi estudar em simultâneo pintura no Ar.Co e psicologia. Era exatamente porque achava que era isso que fazia sentido. Claro que as coisas precisam de um nível de especificidade, sobretudo nestas sociedades contemporâneas, que lá está, só não te consomem totalmente se não deixares. Há essa exigência que é voraz. Claro que se pode fazer um doutoramento de outra forma, mas se uma pessoa se entregar, se o permitir, aquilo absorve os recursos todos. Aqui foi um bocado assim. Eu achava que ia estar com as duas componentes caminhando para um discurso que pudesse integrar ambas. Mas depois não, acabou por mudar, ali pelo terceiro ano do curso de psicologia. Se queria fazer investigação teria que ter notas muito boas, para me candidatar às bolsas e financiamentos, e aí tive que me concentrar e foi o momento em que a parte das artes plásticas ficou como que subalternizada. Depois foram dez anos de um percurso sobretudo na investigação científica. Mas claramente que a mudança se deveu a duas coisas. Por um lado, uma radical insatisfação com a visão do que ia ser o meu lugar a médio prazo e perceber que não era bem aquilo que eu pretendia. Isto por um lado, por outro lado, uma coisa absolutamente não relacionada mas que é o facto dos contextos de mudança se contaminarem. É uma das coisas boas da mudança, é infecciosa. Foi na altura em que me separei com um filho muito pequeno. A minha vida estava virada do avesso e se até aí era para ser vivida pelo mundo, desse momento em diante, com um filho cá, passou a ser para ser vivida com ele, em Portugal. Não diria que umas mudanças potenciam ou facilitam outras, mas o contexto de mudança seguramente que põe as coisas em causa. Já que está tanta coisa a mudar, aproveitas para perguntar se não há outras coisas que precisam de mudar? Se precisam, talvez seja a altura certa para mudarem. Aproveitas a desarrumação para arrumar a casa toda, não é só a estante dos livros. Foi uma altura da vida em que fiz uma introspecção sobre onde queria estar daí a uns tempos. Eu vivo muito assim, não sou muito apegado ao aqui e agora, estou frequentemente a olhar para quinze, vinte anos à frente, e não estava a gostar da direção que a coisa estava a tomar. Depois eu sou absolutamente obstinado, e muito persistente, e uma vez decidida uma coisa, está resolvida a questão ou o problema, é passar à execução da decisão tomada. Este é o momento em que acontece esta mudança, a gestação é anterior, bem anterior. No último ano e meio do pós-doc já estou num trajecto de saída. Em certa medida a experiência de Princeton já é ela toda menos interessante do que podia ter sido do ponto de vista académico porque eu já estou claramente em rota divergente. Embora estivesse de facto ali e aquele fosse o sítio para explorar oportunidades, ter acesso a um monte de recursos laboratoriais, etc., mentalmente eu já tinha partido. Estava a concluir uma coisa que tinha de ser concluída mas já estava com a cabeça noutro lugar.

AM: E tu achas que o percurso que tu acabaste por tomar nas artes plásticas tem algum lado filosófico? Encaras este trabalho nalguma perspectiva filosófica, ou achas que é uma coisa mais empírica, mais experimental?
RSC: Há uma parte procedimental, que é experiencial e também experimental - não confundir com experimentalista -, mas embora essa parte possa ser muito visível, não é aquilo que me preocupa ou interessa mais. Encaro a coisa muito mais de uma perspectiva de conhecimento, filosófico talvez, mas seguramente do conhecimento. Há várias formas de conhecimento, várias formas de produzir conhecimento. Nas sociedades contemporâneas pós-positivistas e ocidentais a forma de conhecimento predominante, mais conceituada, mais relevante, com consequências práticas maiores, é inequivocamente o conhecimento científico. Mas há outras formas de conhecimento, com muitas diferenças, com algumas vantagens, outras desvantagens, enfim, diferentes formas de conhecimento. Mas seguramente que vejo tanto a filosofia, como as artes visuais, como formas de produzir conhecimento, não são simplesmente formas de as pessoas se expressarem. Ou se forem, ou quando o são, é quando são menos interessantes ou relevantes. São formas de produzir conhecimento, embora esse conhecimento não seja tão objectivo, delimitado, às vezes até compreensível, como outras formas de conhecimento. Sobretudo atualmente, com a preponderância da ciência e da tecnologia, tendemos a ancorar o conhecimento a coisas muito objectivas, pragmáticas, lineares, mas não tem que o ser. Aliás, não é invulgar usarmos atributos estritamente científicos para descrever conhecimento. Como se conhecimento fosse só e apenas conhecimento científico. Como se fosse uma só coisa. Mas a ciência não é todo o conhecimento. O exemplo da filosofia é se calhar o melhor para perceber isto. A filosofia é, foi e continuará a ser, das formas de conhecimento mais relevantes e interessantes e tem muito pouco de…

AM: E mais duradouras. 
RSC: E mais duradouras. E tem muito pouco desse pragmatismo, dessa linearidade que tendemos a querer que o conhecimento tenha, a separação entre verdade e mentira, esse tipo de dualismos categóricos tendem a ser mais questionados na filosofia. Vejo muito mais o meu trabalho como uma forma de estar a produzir conhecimento, um tipo de conhecimento que se centra em objetos visuais, mas que nem sequer é aí que eu queria que ele se encerrasse. O projeto de livro que tenho em mãos a partir dos trabalhos da Lifeline Series é um bocado isto. Uma exposição, como a da Winter Series no Palácio, é-me profundamente insatisfatória se ficar por aí, se for só isso. Estaria muito insatisfeito e muito incompleto.

AM: Então tu encaras essas peças, seja um livro ou um catálogo, mais do que ser um perpetuar da memória - porque normalmente os catálogos têm essa função, os catálogos de exposições a função que têm é exatamente tu teres um objecto físico que te permite despertar a memória e de certa forma perpetuar - mas do que estou a perceber do que estás a dizer não é exatamente isso que te interessa nestes objectos. Eles acabam por ser um complemento ou uma continuação do trabalho exposto, no sentido dessa produção de um conhecimento que não é necessariamente um conhecimento objetivo e pragmático a que estamos habituados. É isso?
RSC: Sim, sem dúvida. Um catálogo estrito senso, enquanto catálogo, não tem problema nenhum. Mas é o que me interessa menos. Diria que é o que avança menos neste processo de produção de conhecimento. As coisas podem ter vários níveis, ou leituras, e um catálogo pode ser só um catálogo e não há mal nenhum nisso. Eu é que se só fizesse isso estaria insatisfeito. Preciso, ou acho que a coisa só faz sentido, se tiver outras camadas. Inicialmente o projeto para a Winter Series era fazer um catálogo que perpetuasse a memória da exposição e pudesse ajudar a promover aquele conjunto de trabalhos que iria ser pouco visto. Neste caso seria um estender da exposição até uma outra audiência. Mas felizmente evoluiu. Sobretudo por influência do Tiago (Casanova). Não lhe interessa muito fazer uma coisa assim tão documental, um catálogo estrito senso. Neste momento estamos num registo muito mais processual. É muito sobre o atelier e o trabalho de atelier, embora gravitando em torno da Winter Series.

AM: Voltando um pouco aos teus objectivos, essa tua ideia filosófica dessa produção de conhecimento está muito dependente, esta é a minha leitura, está muito dependente do próprio suporte e dos materiais que tu utilizas. Não é? Portanto, no fundo, nos desenhos temos uma experiência diferente da que temos na Sweet Series, ou agora na Winter Series, ou seja, o material em si, acaba não só por ser um suporte plástico, mas um veículo de transmissão desse conhecimento distinto.
RSC: Sim, sim. Os materiais, seja o açúcar, o verniz, o fogo ou a madeira, participam deste processo de construção de conhecimento. Eu não tenho a sobranceria de querer transformar o mundo em função de uma qualquer ideia aprioristica. Isto é, eu não tenho um dado projeto de peça visual e vou em busca das transformações que eu possa causar independentemente dos materiais que uso. Não me interessa esse mecanismo apriorístico e descontextualizado de relação com o ambiente, com o mundo. Uso muito os materiais como elementos que constroem ativamente as peças. Eu não os uso apenas para me ajudar a executar uma coisa que tenho na cabeça, pré definida, mas uso-os como partes integrantes e participativas da peça…

AM: E do processo.
RSC: Seguramente. A história de usar vernizes com muitos reflexos, por exemplo, é uma história gira. Os vernizes, por definição, são todos eles reflexivos. A remoção do brilho é um processo artificial que visa transformar um verniz que é brilhante numa coisa mate. Ele não acontece ser mate por natureza e o brilho é uma coisa que lhe é acrescentada. O processo é o inverso. Eu gosto muito…

AM: De ir ao genuíno do material. 
RSC: E trazer o material e o que ele tem - as suas características - e potenciá-las, utilizá-las, dialogar com o material para que ele possa…

AM: Brilhar.
RSC: Pois! Que me ajude a chegar a qualquer lado. Não tenho a coisa do material tem que fazer aquilo que eu quero, como quero e quando quero, não tenho nada essa coisa. O brilho, ou o reflexo, tem essa coisa de forçar o espectador para dentro da peça. Eleva a consciência de si próprio do percipiente. E isto tem um enorme impacto na forma como se processa a peça. Usar isto, este contributo do material, fascina-me.

AM: E como é que tu chegas aos materiais? Ou como é que os materiais chegam até ti? Como é que passaste, de repente… A questão da escala já lá vamos, se calhar até estão ligadas, mas como é que tu começaste a trabalhar estes contraplacados de grandes formatos e foste aplicando sejam as queimadas, seja o açúcar, sejam os vernizes, seja agora o maçarico, para no fundo ir buscar também a relação da Lifeline Series, como é que é feita essa…?
RSC: A forma como a coisa é feita e olhando para o processo desde as coisas mais antigas, acho que há muito tempo que me agrada explorar coisas fora do círculo estrito das belas artes, das fine arts, esta coisa de uma certa exclusividade de materiais, de processos, a ideia da pintura a óleo, ou das outras técnicas, como coisas exclusivas. Mas atenção que este não é necessariamente o discurso da Arte Povera, ou outra coisa qualquer, não é necessariamente isso. É antes não estar constrangido ao que está estipulado e convencionado como sendo do universo das fine arts. É um bocado ideológico, é ter uma certa repulsa por essa…

AM: Pelo sistema.
RSC: Claro. E por essa exclusividade. Essa noção elitista e exclusiva que há aqui um conjunto de coisas aceites e outras menos. Não gosto de regras ad hoc. Sempre me defini como anarquista. Por exemplo, um litro de um verniz de belas artes custa-te quatro a cinco vezes o verniz que é utilizado noutros contextos. Podes pensar que é porque é um verniz mais sofisticado, um verniz mais preparado para durar, por exemplo. Mas não é líquido que assim seja. E seguramente que não o é nesta escala. É um pouco como os produtos de luxo. Não há produtos mais desconectado do seu valor real, de facto, do que os produtos de luxo. Sejam veículos, acessórios, o que quer que seja. Não há nada mais afastado do valor real do custo de produção do objecto em si, entre o valor real do objecto e o valor que a sociedade lhe dá. Não há nada mais díspar. Portanto quem compra produtos de luxo está a assumir esse ónus - por razões que são essencialmente simples e parvas - mas no fundo as pessoas estão a penalizar-se conscientemente. Em última instância não há nada errado com isso. E aqui é um bocado isso. Eu acho que os produtos de belas artes, esse universo restrito que acaba por ser um conjunto de técnicas e matérias que são limitadas, tem essa componente exclusiva e elitista que eu desgosto e com que discordo. Eu gosto de explorar a realidade sem grandes limitações a prioristicas. Claro que limitações existirão sempre, não posso explorar a realidade como se o céu fosse vermelho e as árvores verdes. Há condicionantes que existem e que é difícil sair deles, mas há outros que eu não gosto de auto impor. A procura de materiais acho que tem a ver com isso. E recuando nos trabalhos mais antigos que tenho, há essa relação de explorar coisas que não são naturalmente do universo das artes. Explorá-las, estudá-las e finalmente usá-las. E depois a investigação é necessariamente um processo sem fim. A resposta a uma pergunta traz sempre um universo de de outras questões. O processo é sempre multiplicativo, infinito.

AM: Essa questão, desse lado de investigação que tu tens, que faz parte da tua vida, e obviamente que isso depois se reflete no teu trabalho artistico, como é que tu controlas essa tentação, ou tendência de que o teu trabalho não seja só experimental, ou só explorar as variantes e as possibilidades e potencialidades do material? Eu acredito que alguém que vem com esse bichinho da investigação de repente possa ser muito tentador estar ali a experimentar, por exemplo agora com a Winter Series, estar ali a queimar, a ver como é que a madeira reage, como é que é feita a combustão? Como é que tu não te deixas levar por esse lado tão científico e consegues criar um objecto artístico?
RSC: A execução de uma peça até poderia ter esse lado de que falas. Mas há muita coisa que antecede a execução. As questões metodológicas e a parte dessa investigação com os materiais, tem muito a ver com o processo de execução de um trabalho, não tem muito a ver com as questões conceptuais, ou de produção de conhecimento que são as que mais me interessam. Não me interessa muito a execução de uma peça per se. A execução até pode ser o que ocupa mais tempo, mas nunca é o que mais me interessa, nem sequer me interessa assim tanto. Uma pessoa quando começa a pintar uma parede tem que acabar. Encaro a execução muito desta forma. O que pode haver de interessante no pintar de uma parede é sempre anterior. Pode ser decidir a tonalidade do branco, se for um branco, decidir a tinta, se tem brilho ou não, se vai ter uma determinada textura ou não, esse é o tipo de decisões que tem que existir. Depois de facto aquilo tem que ser executado e demora um certo tempo. De facto, vejo muito do tempo do meu trabalho envolvido nestes processos, à volta destas coisas que parecem mais meramente procedimentais ou metodológicas, mas o que me interessa é menos isso. É mesmo porque as peças não se fazem sozinhas. Há claramente coisas que me interessam como a transformação da matéria, a questão da forma como as texturas comunicam, vibram. Como é que podemos questionar essa noção bidimensional das artes plásticas. A pintura e o desenho tendem a ser bidimensionais. É algo que tende a acontecer desta forma mas não tem de ser assim. Eu gosto de explorar a noção de que a coisa pode ser questionada. Uma textura é necessariamente uma coisa tridimensional que viola essa bidimensionalidade. Qualquer textura tem uma terceira dimensão. Trabalhando num plano bidimensional as noções de profundidade são noções que são…

AM: Artificiais.
RSC: Têm que ser fabricadas, têm de ser criadas com esse intuito. Porque lá está temos uma superfície que é bidimensional e queremos que ela tenha outras leituras. Quando exploramos as texturas e os materiais e tentamos criar esta terceira dimensionalidade já não tem que ser assim. Já há uma parte que pode ser fabricada e criada, e depois há outras…

AM: E tens a interferência do exterior, como a iluminação, a maneira como a pessoa reage com a peça, etc.
RSC: Exacto, há outras noções que já têm a ver com a própria interação com o mundo. É como com o verniz espelhado. Uma peça espelhada existe de uma forma que nunca pode ser descontextualizada. É próximo de impossível fotografar sem que a luz interfira e haja reflexos. Mas essa interferência é parte integrante. Fotografar sem esses elementos não é fotografar aquela peça. Porque ela tem sempre, a partir do momento que está exposta à luz, tem sempre reflexos. Ou está numa caixa negra, sem luz, sem mundo, ou está em relação com o contexto. Se tiver um espectador, um percipiente, necessariamente vai estar em relação com essa figura. E é impossível fugir disso. Eu tento, ando muito à volta destas questões dos materiais. Com os açúcares havia outra dimensão, essa então absolutamente…

AM: Simbólica.
RSC: Ou conceptual, no sentido em que era muito menos sobre as peças ou o resultado das peças, e aquelas texturas e aqueles materiais, e era muito mais sobre ter coisas que eram e são entidades mais ou menos vivas, que vão evoluir, que se vão transformar. O açúcar em si não tem interesse particular. É o facto de ser matéria orgânica que se transforma que o torna relevante aqui. Ajuda-me a combater a ideia de que uma obra de arte é uma coisa tão importante, ou as pessoas querem fazê-la como sendo uma coisa tão importante que se deve perpetuar pela eternidade. Fazer coisas que se transformam, que têm um ciclo de vida, que se vão auto destruir, isso são coisas que me interessa explorar e questionar. Se quiseres há sempre uma curiosidade por zonas fronteira, eu gosto pouco de estar numa zona de conforto. Posso gostar, posso apreciar, mas não conseguiria estar no papel daquele artista que está muito bem instalado, na sua zona de conforto, a fazer determinada coisa e a replicá-la. E aquilo até pode resultar, até pode ser super interessante. Mas questiona pouco, põe-se pouco em causa. Eu não consigo estar bem aí. Há sempre esta procura por zonas mais cinzentas. Mas isso tem a ver com uma deformação de formação, a parte científica. Ao fazer investigação está-se sempre à procura. Há um processo giro na investigação, no teste de hipóteses, na investigação experimental que eu fazia, com uns paradigmas muito interessantes, em que estamos sempre à procura, a tentar falsificar hipóteses. Podemos ter uma ideia muito gira sobre um determinado processo cognitivo, seja memória, seja o que for. Não se vai procurar confirmar. Não vamos tentar convencer os outros que aquilo que estamos a fazer é assim. Em última instância vamos, mas para o fazer vamos procurar mostrar que aquilo não é assim. Se de formas múltiplas tentarmos falsificar a hipótese e a hipótese conseguir resistir a essas múltiplas tentativas de a falsificar, então é porque ela tem alguma plausibilidade. E este processo eu acho muito interessante. Esta procura constante das zonas limite. Das zonas que podem por em causa o conhecimento instalado, o que é o status quo. Essa é uma forma de estar que eu vejo como sendo a minha, seja nas artes, seja onde for. Isto nunca será experimentalismo.

AM: E nessas hipóteses que tu formulas a beleza é uma variável, ou é algo que não procuras?
RSC: Esse é um conceito muito difícil, ou muito complexo. Seguramente que me interessam as questões estéticas e a noção de belo. Mas eu não tento fazer coisas fáceis ou agradáveis.

AM: Mas isso não tem nada a ver com beleza, a beleza não tem que ser fácil ou agradável.
RSC: Há muita noção de que uma coisa bela é uma coisa de que se gosta. Assim dessa forma. E eu também não acho que tenha que ser assim. Por exemplo, no cinema, muitos dos filmes que mais gosto são filmes extraordinariamente difíceis. Extraordinariamente belos, sim, mas não belos de uma forma imediata. Ou numa primeira iteração com eles. Às vezes são coisas que se consegue ter essa relação de amor, estética, depois de uma série de momentos de confronto e de tensão. Sinto-me melhor a procurar essas zonas onde o belo, ou que se chega ao belo sem ser de uma forma escorreita e linear. Não gosto muito de coisas gratuitas, coisas muito lineares, uma coisa que seja fácil, como por exemplo na música, uma coisa que chega e entra no ouvido normalmente não é muito interessante, tende a ser um mau sinal. Normalmente é uma coisa demasiado fácil, demasiado simplista, demasiado oferecida, demasiado gratuita. Eu tenho este processo integrado nas coisas que faço. Não gosto de fazer coisas imediatistas. Imediatamente agradáveis. Não tento fazer coisas que sejam estupidamente desagradáveis. Mas tenho esta noção de que são coisas que às vezes são desconfortáveis. Mas esta é uma questão muito difícil. A noção de belo é necessariamente uma construção que é colectiva, que é social e é altamente dependente de coisas tão estranhas como o número de vezes que tu interages com o objecto. Curiosamente, se é uma deformação é uma deformação do outro lado da formação, da formação nas artes plásticas, o meu professor João (Queirós) dizia que um artista tem que ter constantemente um conjunto de exercícios. O importante é que não esgote o conjunto de exercícios que o vai ocupar. Porque esgotando depois pode entrar numa simples repetição do que aconteceu até aí. Mas o mais importante é existir um conjunto de exercícios, de desafios. Depois podem ser em torno de coisas tão diversas como: como é que eu desenho caminhando? Ou como é que eu observo lendo sobretudo as sombras (por oposição às formas)? Neste meu caso é como é que esta ferramenta que ainda não tinha usado, como é que eu a vou utilizar? Claro que isto depois vai relacionar-se com tudo o que fiz até aquele momento. Como é que a ferramenta vai produzir texturas, como é que a ferramenta vai comportar-se nesta transformação da matéria orgânica, da madeira. São tudo coisas que vêm dos outros trabalhos, das séries paralelas em que tenho vindo a trabalhar. Mas na verdade o início é o desenho, e esta relação muito simples entre um agente, uma ferramenta e um suporte. Neste caso - na Winter Series - a ferramenta é menos usual, mais esquisita talvez, é o fogo. Usar o fogo como ferramenta de desenho. Depois algumas peças parecem ter muito pouco de desenho, mas não, aquilo é essencialmente desenho. Pega por exemplo na peça espelhada, que tem aquelas duas linhas totalmente queimadas ao ponto de…

AM: Extravasarem.
RSC: É exatamente isso. São duas linhas que podiam ter sido desenhadas com uma caneta num papel. Aliás, foram desenhadas com uma caneta num papel, num dado momento do processo, num estudo, mas que depois ali são só linhas desenhadas de forma muito mais lenta, com uma ferramenta que tem essa caraterística. Mas é isso, é o mesmo movimento. Para a queima acontecer daquela forma, para abrir um buraco na madeira é preciso tempo. Mas é só isto, é uma linha, esse mesmo movimento que acontece no papel, esticado no tempo. Como se tivéssemos pegado na dimensão tempo e a esticássemos. Em vez de ter durado cinco minutos a fazer durou cinco ou dez horas. Mas é só isto, o processo todo ele é o mesmo. Depois, acontecem uma série de outras coisas que têm a ver com, lá está, a forma como a peça não é só o resultado desse imedatismo, mas resulta com outras leituras e outras relações com os outros trabalhos. O ter verniz, o ser espelhada, colocar o espectador a participar e a entrar dentro da peça. É quase como se fosse uma velatura que acontece por cima. O processo, a essência é a mesma. O processo essencial da coisa é um processo de desenho. A decisão sobre como a peça vai acontecer é um processo e é um exercício de desenho. Depois acontece executar esse exercício. É neste sentido que digo que o meu trabalho tem muito pouco de experimentalista, de “vamos lá ver o que é que acontece” com o material. Quer dizer, há momentos em que isso pode acontecer. Mas nunca é isso que define o processo de trabalho. Não é isso que procuro. Mas quando estás com o maçarico a fazer aquele desenho, não controlas absolutamente se a chama…

AM: Era exatamente isso que estava a dizer. Podes ter uma ideia mental do que queres fazer, mas precisamente porque é um instrumento que tem um lado imprevisível ou de erro, que tu à partida se fosses se calhar com um lápis, ou com um pastel de óleo não aconteceria.
RSC: São noções com as quais eu estou muito desconfortável. Uma é essa noção da eternidade que falávamos há pouco, de fazer uma coisa e aspirar que ela se eternize - um posar de perfil para a eternidade. Esta relação com o eterno complica-me muito e acho que é uma obrigação questionar esse postulado. Mas aqui é seguramente uma outra. Nós temos uma noção implícita que um processo só é válido se for totalmente controlado, ou manipulado, pelo agente que o faz ou executa. Mas isso é uma falsidade absoluta. Podes estar a fazer um retrato, uma coisa muito próxima da fotografia, mas desde logo, se não é fotografia e é outra coisa qualquer, já está a ter o contributo do agente e já não é meramente reprodutivo. Nem o chega a ser na própria fotografia. Não é a transposição num suporte de uma imagem o mais próxima possível dessa imagem na realidade. Há sempre transformação. De alguma forma estipulou-se achar que há níveis dessa transformação, dessa interferência do contexto nessa transformação, que são aceitáveis e outros não. Isso a mim confunde-me. E a arte contemporânea, sobretudo a arte abstracta, tende a ser injustamente avaliada dessa forma. É esta noção de que há um conjunto de contexto que interfere com o que o artista está a fazer - pode ser o Gerard Richter naquela fase em que pintava retratos compulsivamente - que é aceitável. Mais não. Parece que aquilo só é bom se ele anular o mundo e só estiver ali um controlo absoluto. Isso não existe. Mesmo ali, mesmo nessa coisa que parece uma representação ipsis verbis da realidade, isso não existe. Há sempre um conjunto imenso, infindável de contributos do contexto que estão ali a ser incorporados. Mas de alguma forma, estipulou-se que uns, esses, são aceitáveis. Só porque há uma maior parecença entre a alegada realidade e uma sua representação transposta numa obra de arte. Pois bem, eu acho que há um universo imenso de outras coisas que podem ser incorporadas para além desse princípio estrito de “similaridade”. Por exemplo, quando estou com o processo de queima, com esse maçarico maior, que produz uma chama mais larga, se houver uma aragem na sala claro que isso condiciona o comportamento da chama. Vai empurrá-la num sentido ou noutro. Mas é claro que há controlo. Posso fazer com que a sala esteja sem qualquer corrente de ar. Ou posso ter, por oposição, certas janelas abertas que criem correntes de ar direccionais. Ou criar um padrão dinâmico de forma a que a chama ande de um lado para o outro. Eu posso ter esse nível de manipulação, agora em última instância a chama vai ter um comportamento que não é absolutamente determinado por mim, ao milímetro. Isso não me preocupa. É parte de um processo que eu aceito. Se acontecesse longe do meu conhecimento, se acontecesse por si, seria diferente. Acontece estando eu consciente do mecanismo. É igual ao que se passa com a Lifeline Series, se eu beber vinte cafés de certeza que as linhas irão dar mais saltos do que se eu estiver a fazer meditação durante cinco horas. Esse tipo de efeitos de alguma forma são considerados aceitáveis, os outros já não são. A fronteira entre uns e outros não é nada clara, porque é que uns são considerados desprezíveis e os outros não? Eu vejo a coisa muito da seguinte forma, somos entidades em relação com o contexto, sempre! O contexto está sempre a ter uma influência, tentar que ele não tenha essa influência é uma falsidade, não existe. Se alguém disser que o faz, eu direi que é mentira, factualmente errado.

AM: Aqui a diferença é que tu integras essa circunstância no teu processo e no resultado final.
RSC: Uma pessoa que faça uma pintura mais tradicional, com técnicas e materiais mais tradicionais, uma paisagem a óleo por exemplo, está na mesma a ter esse tipo de influência do contexto. Um gesto - que pode ser ou não estilizado, estar ou não mecanizado, procurar ou não desconstruir-se - tem sempre toda essa influência do contexto a acontecer. Só que está a acontecer através de um conjunto pré-determinado, se calhar mais limpo, de variáveis. Ainda assim está a acontecer. Não acho que devam existir fronteiras artificialmente definidas que determinem que até certo ponto é aceitável, daí para a frente já não. Aproveito para voltar atrás, uma coisa é a experimentação outra coisa é o experimentalismo. Uma coisa é utilizar a procura de coisas novas como uma fonte de conhecimento e de informação. Outra coisa é fazer coisas ad hoc e o que dali resultar, resulta. São coisas totalmente diferentes. Uma coisa é procurar nas tais zonas de fronteira, fora daquilo que é o convencional, mais usual, mais estatisticamente corrente, e procurar nas zonas limites e perceber o que é que se pode fazer, o que é que se pode questionar sobre o que é o mainstream, sobre o que é o mais usual, o mais comum, fazendo este caminho. Outra coisa é ter uma abordagem em que qualquer coisa dá. Diria que uma produz conhecimento , a outra produzirá no máximo objectos.

AM: Aqui também, e a minha pergunta tinha a ver com isso, é uma fronteira muito ténue. É fácil, eu acho, tendo em conta para mais o teu contexto de investigação, acho que seria fácil tu caíres nesse registo. E a minha pergunta foi, como é que tu conténs isso? Porque essa contenção é que eu acho que é interessante e é difícil.
RSC: Diria que a forma como o meu trabalho acontece é ele todo cheio de equações, equações cheias de parâmetros constantes e pré definidos. Lá está, o meu trabalho acontece essencialmente antes da execução, antes de trabalhar com os materiais. Pode parecer que não mas é o oposto dessa loucura desenfreada de variáveis em movimento. Desse tal experimentalismo desbragado. É pelo contrário um conjunto de coisas constantes e umas poucas, muito poucas, em variação. Exactamente um algoritmo onde os parâmetros são essencialmente constantes. Não é por acaso que te digo e falámos da questão do tamanho e das proporções. Repara, as proporções dos desenhos em papel - Lifeline Series - são as mesmas das peças de outros tamanhos em contraplacado - sejam a Sweet Series, a Winter Series ou a Honey Series. É a mesmíssima proporção. Isto não se deve a nada mais que isto, procuro o mais possível manter estável aquilo que não é objecto do meu interesse, da minha manipulação. Sendo que aquilo que depois manipulo e é alvo de transformação é uma coisa mínima. São os tais parâmetros controlados. Mas claro que há um elemento em que o acaso participa, mas isso não me causa desconforto. Quando se está num processo, voltando agora ao maçarico e se está a fazer uma queima que é profunda, que visa mesmo transformar a madeira de forma que não é só subtil. A madeira nessa queima profunda estala, e não vira à esquerda ou à direita porque eu assim determinei, vai simplesmente estalar porque não aguenta a tensão da transformação em carvão a alta temperatura. É verdade, a forma estrita como estala eu não controlo. Agora, controlo se estala ou se não estala, o nível em que estala, a dimensão em que este estalar acontece, se é numa escala milimétrica se é numa escala centimétrica. Este tipo de coisas controlo. Agora claro que há acaso, no sentido que o contexto participa de uma forma muito activa, muito participativa neste processo. Isso não me incomoda nada. Se acontecesse eu por aquilo num forno e aquilo sair de lá uma coisa diferente, talvez me incomodasse a minha ausência na construção e no processo de produção da peça. Mas não, eu estou totalmente ali. Sou eu o agente. As diferentes texturas que aquilo vai tendo é exatamente reflexo desse conjunto de decisões. Podia ser uma pincelada que acontece e se repete e vai buscar mais tinta. Ali é um fogo que queima. Agora, o tipo que leva o pincel cheio de óleo para a tela, com mais óleo que o estritamente necessário - numa pintura um bocadinho tridimensional - também não controla em absoluto como é que o excesso de óleo se vai amontoar na zona por onde o pincel não espalha o óleo. Controla no sentido que pode por dez ou vinte gramas, mas a forma como depois aquilo se movimenta no gesto já não é absolutamente controlada, no sentido estrito que estávamos a falar. Aqui é a mesma coisa. Só que a ferramenta é outra e portanto tem um comportamento outro. Não vejo um processo diferente do outro. Um usa outras ferramentas e relaciona-se de forma diferente, menos estrita, com o contexto, com a participação do contexto. Uma pintura em acrílico passado trinta minutos está seca. Podes fazer hoje para expor amanhã. A pintura a óleo não acontece assim. Claro que isto é uma participação radical do contexto. O artista, o agente, aceita essa forma como os materiais existem, se comportam, para compor a peça. Não é o artista que pinta a óleo que determina que o óleo está seco no dia seguinte. Não vai estar. 

AM: São materiais diferentes, outras especificidades, outras particularidades.
RSC: Dizer que umas participações do contexto são aceites, mas outras já não, é ambíguo e estranho.

AM: Eu acho que para além da participação do contexto, no teu trabalho também tem muito a ver com o tempo. O tempo que está inerente ao próprio processo. E isso é um tempo que é um tempo mental e é um tempo físico. Porque as coisas demoram e esse tempo faz parte do próprio processo.
RSC: Seguramente. É exatamente assim. Não é por acaso que os processos são assim. Eu estaria numa posição muito mais desconfortável para conversar sobre isto se os meus trabalhos sobre papel fossem aquelas coisas muito lentas e minuciosas e os outros trabalhos fossem coisas instantâneas. Eram coisas demasiado descoladas, díspares. Eles podem aparentar ser coisas diferentes mas não são. Até no nível de minúcia, por mais que pareça que uns estão cheios de contexto, ou de acaso, e os outros não. Mas até aí eu vejo imensas relações. São coisas todas elas muito lentas, executá-las é quase um processo de mortificação. Às vezes entrar no processo de execução é doloroso porque eu sei exatamente o tempo que as coisas vão demorar. É por isso que o meu trabalho é um trabalho de atelier quotidiano, de manhã à noite, tirando o agarrar no longboard e ir de vez em quando ao mar, dar umas cabeçadas nas ondas. É assim, o processo é lento, acontece ser assim. Atenção, eu não uso isto como um atributo positivo. Uma espécie de porque é lento é bom. Não, apenas como argumento de que a participação do contexto - mais ou menos participação do contexto, o grau de participação do contexto, ou acaso - não deve ser o critério que se utiliza para se fazer uma avaliação do interesse, da qualidade do que quer que seja. Também não vejo o tempo de execução como um proxi da qualidade do trabalho. Pode ser uma porcaria completa e demorar tempo a acontecer. Isso é seguramente uma possibilidade. Acontece estes trabalhos serem todos lentos.

AM: Acho que podíamos incidir agora… Deixar a parte processual um pouco de lado, eu acho que muitas vezes quando falamos do teu trabalho ficamos muitas vezes restritos à parte do processo. Acho que seria interessante buscar o outro lado, um lado que tem mais a ver com estas questões de conteúdo. Temos muito de forma e acho que agora podemos incidir sobre o conteúdo.
RSC: Eu tenho alguma dificuldade, não é necessariamente isso, mas tenho alguns pruridos em… Vamos lá ver, não tenho problemas nenhuns, antes pelo contrário, em discutir processos, não acho que haja ou deva haver segredos no mecanismo. Desse ponto de vista a coisa é para se entender como é. Não acho que por um artista ter uma forma de fazer que resulta num produto muito giro, mas que acaba por ser um truque de algibeira, deva ter algum prurido em revelar isso. Acho que discutir processo é muito orgânico, honesto. Não há nada a esconder. Pode ter que ver com a importância da replicabilidade que vem da ciência. Especificamente na Lifeline Series aquilo é quase um exercício que podia ser executado por outro. Até seria interessante como proposta executada por outro. Aquilo é uma equação, tem aqueles parâmetros, depois é preciso alguém com muita paciência para fazer aquilo durante todo o tempo que a execução exige. Mas esse outro alguém, a vibração que a linha tem, lá está, poderia acontecer. Montas um sismógrafo aqui, ou montas um sismógrafo nos Açores, e ele vai dizer-te coisas diferentes, mas o aparelho, a fórmula em si, pode ser a mesma. E aqui estes desenhos, estas linhas, este trabalho, até tem essa componente, pode ter outras pessoas a executá-lo. Eu quando tenho esta coisa de falar muito do processo é porque acho que é aquilo que é menos pretensioso. A parte dos significados, a parte conceptual, não é que eu ache que não existe, claro que existe! Não pode não existir. É estrutural, fundamental. Mas eu retraio-me sempre de a discutir porque não quero que haja um forçar de uma leitura. As leitura possíveis são múltiplas, eu tenho razões para fazer as coisas de uma forma, mas muitas vezes podem não ser as mais interessantes. Como não quero…

AM: Sim, mas dão pistas de leitura. E era por aí que eu queria ir.
RSC: Concordo, mas estou só a justificar porque é que muitas vezes, mais espontaneamente me disponho a discutir a questão processual. Aí não vejo que haja pretensão nenhuma. É apenas a descrição de um processo, de um acontecimento. As outras questões, gosto de ler, obviamente, gosto de outras leituras sobre o trabalho. As que eu tenho muitas vezes acho que só por serem minhas são as mais desinteressantes. Muitas vezes acho que os artistas a falar sobre o próprio trabalho é quando a coisa…

AM: Torna-se a chamada masturbação artística…
RSC: É quando a coisa não corre bem. A mim pelo menos interessa-me pouco. Não gosto muito de ler. E também não gosto muito de o cultivar. Claro que…

AM: Eu não estou a dizer para fazer uma coisa para o ego e para o umbigo.
RSC: No outro dia alguém dizia a propósito das peças da Winter Series, com fogo, que agora isto é super pertinente, com todos os incêndios no país. Mas quer dizer, eu nunca tenho, lá está, provém da minha formação científica, temos uma coisa no teste de hipóteses, no conhecimento experimental, que não é facilmente tolerada, que são os testes post hoc. O mecanismo é sempre, tens uma ideia apriorística, isto é, tens uma hipótese que derivas de uma teoria e só depois vais testar essa hipótese, vais ver se há uma correspondência na realidade ou não. É esta narrativa que se usa, não o oposto. Não fazes qualquer coisa e depois vais há procura, post hoc. Testam-se hipóteses teóricas. Nunca o contrário, não se formulam teorias a partir de resultados ad hoc.

AM: Eu acho que podemos pegar precisamente por isso. Que é, no teu trabalho artístico, digamos assim, o processo é um conjunto de hipóteses e variáveis que tu estudas e que vais fazer exatamente esse processo experimental. À priori não vais com uma ideia pré concebida daquilo que vai ser feito no sentido de…
RSC: Depende…

AM: Tu queres é ver o resultado. Esse processo, esse caminho.
RSC: Mas mesmo isso depende. Na Lifeline Series a coisa não podia estar mais determinada à partida. Na Lifeline Series a partir do momento que acontece o estudo e que é tomada a decisão que aquilo vai passar a uma peça por inteiro, está determinado onde é que a linha começa e onde é que a linha acaba. Não está determinado como é que a linha acontece, como é que vibra.

AM: No caso da Winter Series há este processo. Então a minha pergunta é, precisamente nesse racional científico, quando se chega ao final, como é que tu interpretas? Um cientista também faz isso, tem um conjunto de variáveis, trabalha com elas, explora diversos caminhos, várias hipóteses, não tem ainda exatamente uma ideia concreta muitas vezes ainda do que vai acontecer mas, no final, para haver essa produção de conhecimento de que falas muitas vezes, tem que haver uma interpretação do resultado. Eu acho que era interessante perceber como é que, chegando ao final destas obras, da Winter Series, as interpretas. Não é necessariamente explicar o conceito ou provar qualquer coisa. É simplesmente dar umas pistas para que quem veja aquilo tenha também pelo menos uma luz, qualquer coisa, que encaminhe para um caminho possível. Claro, depois cada um fará as suas interpretações.
RSC: Sem dúvida. Na arte tem que haver essa interpretação. Mas voltando atrás um detalhe, quando falava disto é porque uma das coisas que é mais criticável no processo experimental, científico se quiseres, é quanto tu revertes esta dinâmica do teste de hipóteses e fazes o oposto. Aparecem-te uns dados e vais, à posteriori, inventar hipóteses, ou teorias que expliquem aqueles dados.

AM: Quando procuras uma justificação à posteriori.
RSC: Esta lógica post hoc de fazer uma interpretação do mundo é que eu não gosto, ou não considero válida, e não faço na minha prática artística. Não pretendo produzir uma coisa e depois vou olhar para aquilo e agora crio uma interpretação, ou justificação. Falava-te disto a propósito dessa ideia de que agora seria muito pertinente aproveitar e trazer a problemática dos incêndios para a conceptualização da Winter Series. O meu trabalho com o fogo, esta ideia de trabalhar o fogo como ferramenta de desenho não tem absolutamente nada a ver com a problemática dos incêndios. Não é assim que a coisa acontece. Claro que o facto de haver arte contemporânea a ser produzida com fogo num contexto em que os incêndios são um problema tão grande em Portugal, cria uma relação que podemos discutir. Agora não é por causa disso. Não consigo fazer essa leitura post hoc de agora vamos surfar ou cavalgar essa onda e argumentar pela pertinência deste trabalho por causa da pertinência mediática do problema dos incêndios. Isso não consigo fazer. Agora, claro que sim, faço as coisas e no fim há um produto. Produto esse, as múltiplas peças de uma série, que se relacionam e que dizem qualquer coisa. Sim, claro que há uma leitura e há uma interpretação. Eu como te digo, aquilo que me interessa, o ponto de partida destes trabalhos, é o desenho. Mesmo quando pode parecer que as coisas podem parecer que não têm nada a ver com desenho, o ponto de partida é o desenho. Diria que o meu ponto de chegada também é o desenho. Pelo menos esse é o objectivo. O desenho é o ponto mais livre para encarar a expressão plástica. A forma como traduzes qualquer coisa num objecto plástico. Vejo isto como formas de desenho, ou evolução de desenho, como exercícios de extensão de desenho a formatos diferentes. Gosto desta forma de conceber materiais orgânicos - madeiras e resinas - e tentar perceber o que é que eles podem dizer e como é que eles nos podem informar, nomeadamente através de processos transformativos. O fogo, nesta Winter Series, tem esta vertente muito acentuada. A maior parte do trabalho em artes plásticas é sempre uma espécie de sobreposição. Tens um qualquer suporte que vais cobrir e sobrepor com qualquer coisa. É sempre qualquer coisa que é feita sobre um suporte, uma base. Seja um papel, ou uma tela. Mas tens sempre um suporte que não faz mais que servir de base a qualquer coisa.

AM: De uma forma estanque. Pode ter algumas imperfeições ao longo do tempo mas é estável.
RSC: Esta coisa de trabalhar sobre madeira com verniz (resina) tem esse elemento orgânico, é parte da natureza que trazemos para o atelier. Essa contribuição nem sempre é pacífica, a madeira tem padrões, por exemplo, que posso não gostar. Mas não os elimino, convido-os a participar na construção da peça.

AM: Tem impurezas, imperfeições.
RSC: Este último desenho que fiz para a Winter Series tinha lá uma coisa, uma salamandra sei lá, que me estava a incomodar. Estava e está. Faz parte do suporte, participa na construção da peça. Mas dizia-te, na maior parte das vezes tu usas o suporte como suporte, em princípio é o lugar onde alguma coisa vai acontecer mas tem pouca função que não seja suportar o que acontece em cima. Eu gosto de começar a trabalhar logo na parte do suporte. O suporte também constrói. Depois, neste caso do fogo, não é só o suporte que contribui ao ser visível, o suporte é ele próprio transformado. Quando tens fogo sobre madeira transformas a matéria de uma forma que acaba por transformar o próprio suporte. O suporte é impregnado pela forma como estás a abordá-lo e a transformá-lo. Estas coisas interessam-me. Esta coisa de trazer o mundo orgânico para o atelier. Trabalhar aspectos que são de transformação deste mundo natural que é trazido para o atelier. E depois, do ponto de vista conceptual, eu gosto de me relacionar com conceitos como o conceito de tempo, o conceito de memória. Uma das coisas que me incomoda na contemporaneidade, na vivência contemporânea, é a velocidade e a superficialidade com que muitas coisas, ou quase tudo, é concebido, vivido, consumido. Gosto especialmente de trabalhar a noção de tempo, tempo como um contínuo manipulável. Num dado momento entramos na linha de tempo e depois então podemos trabalhar ou manipular essa linha, essa vivência do tempo. Podemos comprimi-lo, podemos esticá-lo. Eu gosto de trazer estas coisas para o trabalho. Os trabalhos ou são eles próprios transformáveis, nesse sentido que o tempo entra neles e participa deles (Sweet Series), ou sendo estanques são como cápsulas que encerram tempo (Lifeline Series). Mas também gosto de trabalhos que mesmo no processo de concepção precisam de maturação. Não é só o artista chegar e fazer o que tem a fazer e o trabalho está pronto. Eu gosto de pensar que os elementos têm que contribuir. E isto é transversal praticamente a tudo. Eu aplico um verniz e não é só esperar um dia que o verniz seque. São tempos de maturação, mais do que tempos de secagem. A secagem dos vernizes tem muito esta componente, não é só esperar. É um processo de cura, em certa medida mais semelhante ao envelhecimento do vinho, por exemplo. E aqui o tempo, a lentidão, é essencial. Porque o contexto que manipulas durante a cura tem efeito no resultado, tal e qual como acontece com o vinho. Não é igual se a barrica onde estagia é de carvalho francês ou americano. Não é uma simples espera, passiva. Não é só esperar que a água do acrílico evapore. Interessa-me trabalhar estas noções e depois acho que isso acaba por estar presente quando te confrontas com estes trabalhos e estas coisas estão subjacentes à peça que tens à frente. Em termos daquilo que tens no fim, do produto final, eu sou um amante extremo da simplicidade e do minimalismo, do vazio e da ausência. Procuro sempre coisas que não pretendem ser nada pretensiosas do ponto de vista formal. Quando olhas para a maior parte das coisas que faço elas não visam ser formalmente muito complexas, ou difíceis. São muito simples, ou são texturas sem forma, ou quando há forma são coisas próximas de geométricas. Interessa-me explorar todas estas componentes que fazem com que uma superfície em vez de ser laranja seja alaranjada e tenha uma vibração, que se transforme quando olhas para ela. E que pareça que tem vida, como se ela se continuasse. Interessa-me pouco estar a fazer uma dada representação, ou pretender que as pessoas vejam uma imagem específica. Interessa-me muito esta lógica das texturas, das vibrações, de como é que as coisas podem existir por si próprias. Interessa-me muito que olhe para uma peça e que ela me vá dizendo coisas diferentes todos os dias. E não é porque se trata de uma representação à El Bosco, onde estás sempre a descobrir personagens, ou diferentes formas das personagens se relacionarem, até pela escala que tem, podes ir sempre à procura de novas histórias. Não é por aí, mas porque à partida a peça vai mesmo ser diferente. Com perspectivas de luz diferente vai mostrar-se de forma diferente, vai ter reflexos diferentes. Vai ter formas como se mostra ao mundo que vão ser sempre diferentes. Eu gosto dessa ideia de que as coisas em certa medida estão vivas. Em certa medida se continuam. É uma extensão daquela ideia de parte da arte menos figurativa tem essa componente mais ativa que força quem está na posição de espectador a participar. Dificilmente olhas para uma coisa destas e se não tiveres a intenção de te envolveres, dificilmente verás alguma coisa, o que quer que seja. As coisas não estão lá dessa forma. Ou te dispões a ir à procura de construir um significado e entrar na narrativa ou é mais difícil. Nessa medida não diria que são mais exigentes, mas precisam que haja um espectador…

AM: Um espectador que queira participar.
RSC: Eu gosto dessa noção. Obviamente que isto acontece com qualquer objecto artistico. Seja ou não figurativo.

AM: Há quem defenda, aliás, que a arte é toda abstracta. Portanto, nesse sentido da interpretação sem dúvida a arte é abstracta.
RSC: Quando tens essa leitura de arte figurativa versus abstração, esses tipo de dualismos, até porque é mais isso. Não tens representação que não seja interpretativa. Nesse ponto de vista não há realidade pura e dura.

AM: E absoluta.
RSC: Portanto a partir do momento que tens um artista, ou um fotógrafo, um foto jornalista, a tirar uma fotografia num cenário absolutamente objectivo, tens um frame, tens um enquadramento, tens uma seleção, tens…

AM: E por isso é que é um objecto artístico.
RSC: Deixa de ser a realidade. Aliás, essa é outra parte relevante, outra noção interessante. Esta ideia que nós temos de que há uma realidade, uma coisa ali, lá fora, com existência factual, independentemente de tudo… Não há outra coisa que não seja sempre uma percepção da realidade. Basta bebermos uns copos de vinho que sabemos como a nossa percepção da realidade se transforma de imediato e nós temos noção dessa transformação. Portanto, não é muito difícil conceber que nós não temos outra coisa que não sejam interpretações daquilo que é o mundo real. Mesmo a noção que temos da cor é informada pela radiação que nos chega do sol, com aquele espectro cromático. Podia ser diferente.

AM: E há pessoas que vêem supostamente a mesma cor de forma diferente.
RSC: As árvores são verdes neste mundo físico desta forma, se o mundo físico fosse um bocadinho diferente e nos chegasse do sol uma radiação um bocadinho diferente as árvores verdes como nós as conhecemos verdes não eram verdes, eram outra coisa qualquer. É sempre uma interpretação, uma relação com o objecto que tem que ter sempre esse filtro perceptivo até chegar ao percipiente que depois vai construir o significado. Sim, se tiver que entrar nessa discussão, não tenho muitas dúvidas que toda a arte é abstracta e não há outra coisa que não seja uma certa abstração. Agora, há quem se sinta melhor em territórios mais próximos, onde o decalque é maior entre a realidade de todos os dias e o produto artistico, e há quem se sinta mais fascinado por explorar outras representações. Agora, são sempre representações e são sempre representações de realidade(s). Agora a realidade não são só paisagens. Podem ser imagens internas, até não visuais. Pode ser uma representação de uma paisagem sonora. São sempre produtos…

AM: De um determinado momento.
RSC: Filtrado pelo autor, mas são sempre produtos da realidade. Ninguém vive num vácuo, num laboratório, vazio de estímulos e elementos a produzir qualquer coisa. Se fosse feito esse ensaio, se fosse criado esse artista, ele não conseguiria produzir nada se não tivesse tido acesso à realidade e aos estímulos.

AM: Tu aqui falaste de várias coisas e eu queria perguntar-te se isto é uma coisa consciente, foi consciente desde o início, ou passou a ser consciente à posteriori, nessa tal interpretação do resultado. Nestas coisas que estás a falar há aqui um lado muito político, no sentido em que há uma intenção clara da tua parte em usar materiais, instrumentos, processos menos convencionais, essa questão de trazer coisas da natureza, quase uma espécie de reciclagem, esse aproveitamento, tem muito a ver com um lado político, com o ir buscar materiais que normalmente não são tão nobres na prática artística, e por outro lado, há também uma atitude muito filosófica nesse sentido de lidar com variáveis que tem a ver com um lado mais transcendental da nossa existência. Que é precisamente a questão do tempo, a memória também, mas acho que esta questão do tempo está muito presente. E eu queria perguntar-te se tu sentes que isso foi uma coisa que certamente resulta de ti mesmo, e da tua maneira de ser e estar na vida, mas se isso foi uma descoberta ou se foi uma coisa que encontraste depois ou se…
RSC: Deixa-me tentar chegar à resposta da segunda parte começando pela primeira. Enquanto crescia, enquanto me definia, e olhando agora com uma certa distância, há uma coisa que sempre esteve presente, eu frequentemente estava do lado contrário da maioria, do rebanho. Sempre me confundiram os fenómenos de massa, os comportamentos de grupos, porque sempre me fascinou o silêncio, a solidão. Sempre me fascinou o conhecimento, sempre me confundiram os fenómenos onde o indivíduo não pensa pela sua cabeça e vai com o grupo, a moda. Sempre me posicionei um bocadinho fora desses fenómenos. Se havia um protocolo que as pessoas seguiam de forma mais ou menos acrítica, apenas porque os outros faziam, eu normalmente estaria a fazer o contrário. Enfim, falo-te disto porque sempre foi algo que me caracterizou. Estrategicamente posicionava-me de forma oposta ao que percebia como sendo o rebanho. Deve ser o lastro dos meus pais, da minha família, ter estado do lado da resistência à ditadura. Agora para chegar à segunda parte da questão, é inequívoco que há esta procura, esta busca por materiais não por serem menos nobres, mas por serem materiais menos utilizados. O mundo é uma coisa fascinante e extremamente rico e portanto cabe-nos explorar o potencial que aí está. É muito limitativo, redutor, querermos dizer, à priori, que da panóplia de cores disponíveis vamos trabalhar apenas com três, com estas três que são as nobres. Estas são as nobres e portanto são estas que têm que ser utilizadas no universo deste discurso de conhecimento. Então e não dá para usar as outras? Esse tipo de narrativas sempre me fez confusão. Se há um panóplia que está fora do foco, eu gosto, quase que estou atraído naturalmente para aí. Se vejo toda a gente a utilizar essas três cores, muito bem, essas três cores estão muito bem entregues, há muita boa gente a ocupar-se delas. Deixa cá olhar para as outras quinze que estão aqui ao lado. Esta é a parte da abordagem que me leva a querer explorar estas coisas. Não é por, enfim, em certa medida até pode ser por achar que se fosse trabalhar com essas três cores não faria um trabalho interessante. Há gente muito mais competente e capaz de fazer coisas relevantes com aquilo do que eu, portanto deixa-me cá…

AM: Mas pode acontecer num determinado momento da tua atividade artística que tu, para um determinado projeto, queiras usar precisamente essas três cores. Portanto a minha questão é, aquilo que eu estava a tentar provocar-te nesse sentido é, tu vais à procura de outros materiais, não porque são outros materiais, ou porque ninguém os utiliza, mas sim porque num determinado contexto, com um determinado propósito, achas que são aqueles que são os melhores?
RSC: Certo. É inequivocamente essa a razão. Mas também não deixa de ser porque são menos utilizados. Neste sentido, se fossem os materiais mainstream (não me querendo centrar demasiado nos materiais, podiam ser os elementos, os conceitos, podíamos estar a falar disto em termos conceptuais) é muito pouco provável que eu estivesse a abordá-los. Eu prefiro estar à procura de coisas em territórios que são mais limite, mais ambíguos, onde é mais necessário ter recursos dedicados. Quando um assunto está conceptualmente resolvido, deixa de me interessar como objecto de trabalho. Eu estou naturalmente, organicamente, em zonas mais marginais, mais limite, mais fronteira. É aí que me sinto melhor, é aí que o meu contributo pode ser mais relevante. Isto tem custos, obviamente. Mas é mais aí, nunca te direi que não trabalharei com essas três cores porque toda a gente está a trabalhar com essas três cores. Tenho é dificuldade em ter interesse, em ir olhar para essas três cores como objecto de trabalho, sabendo que posso descobrir qualquer coisa nova com a outra gama de cores.

AM: Mas aí, mais uma vez, estamos a falar de coisas que estão muito ligadas ao processo. Seja a cor, sejam os materiais. Neste momento, o tema, a questão do tempo, não sendo mainstream, é um assunto que é transversal a muitas áreas artísticas. 
RSC: Mas aí é diferente. Não é haver muita gente a fazer uma coisa. Ou a trabalhar um tema, ou um conceito, ou a preocupar-se com ele. É a leitura que tenho de que ele está encerrado, quer dizer, encerrado nunca estará, porque não estamos no fim da história em lado nenhum. Conceptualmente quando um assunto está como que resolvido, com uma formulação mais definitiva, deixa de me interessar. O tempo nunca vai estar resolvido. Nunca vai haver uma leitura do tempo fechada. Aliás, no conhecimento não há coisas resolvidas, fechadas, nunca. Esta minha postura não é, ou espero que não seja, não o quero encarar dessa forma, como um pôr de parte coisas que estão resolvidas. Mas quando sinto que há elementos que conceptualmente estão resolvidos, ou mais próximo disso, não me interessa estar a trabalhar com eles. É mais isso. De facto aqui as questões do tempo, ou da memória, são conceitos tão infinitos, abstractos em certa medida, que é impossível que estejam resolvidos. Existirão sempre múltiplas leituras sobre qualquer um deles e portanto é possível olhar para eles de forma sempre nova. Num desenho como os da Lifeline Series, procuro compactar o tempo, como se fosse uma máquina de comprimir tempo, como as máquinas que compactam os carros nas sucatas. Aqueles desenhos quase que são compactações de tempo. São como umas prensas. Claro que há a questão processual como os desenhos acontecem. Mas no fundo o que ali se passa são meses enfiados numa folha. É como que um produto visual da compactação do tempo. Eu olho para estes trabalhos muito desta forma, uma prensa que esteve ali a ser aplicada.

AM: Tu quando falas desse tempo falas de tempo passado, de um tempo presente ou de um tempo futuro?
RSC: Quer dizer, na Lifeline Series eu vejo aquilo como um processo online, trata-se de fazer a tradução em tempo real do agente para o suporte.

AM: No fundo é como se fosse um tempo presente. E na Winter Series, também sentes isso?
RSC: A Winter Series estão numa zona fronteira. Na Sweet Series, é muito mais uma coisa que tem um momento em que é produzida e depois a ideia é colocá-la no mundo, e esperar que o mundo faça o seu trabalho.

AM: Um tempo futuro.
RSC: Aí é claramente uma coisa mais prospectiva. Na Winter Series, diria que é um bocadinho, não sendo tão prospectivo como a Sweet Series, tratando-se de um trabalho sobre madeira, matéria orgânica, é necessariamente prospectivo. Também há uma continuação, não tão óbvia, mas está lá. Mas é impossível o tempo anterior, o passado, não estar também lá.

AM: Não, com certeza. E o contexto em que acontece. Desse ponto de vista conceptual, eu acho que há uma diferença entre por um lado a Lifeline Series e depois a Sweet e Winter Series. Essas têm pelas suas características formais e pelo que tu pretendes que venha acontecer na obra, essa absorção do tempo e como é que isso vai alterar a própria obra. Isso fazer parte do próprio conceito, isso remete realmente para um tempo futuro.
RSC: Mas mesmo as outras, a Lifeline Series, também tem qualquer coisa de prospectivo. Embora sejam uma coisa em tempo real, presente, exatamente pelo que te disse há bocado, a ideia é que elas se movimentem. Vai ser uma movimentação perceptiva, lá está. Das coisas mais relevantes que o trajeto anterior que tive me deu foi a noção de que há muito mais a acontecer connosco do que temos noção consciente. Há muitíssimas coisas a acontecer fora da consciência, e interessa-me usar isso na construção de significado. Tudo o que fazemos na vida não é só produto desta noção de consciência, de um cérebro racional, de que nós somos senhores dessa operação e que tomamos as decisões que queremos, como queremos…

AM: Mas ainda bem que acontecem fora da nossa consciência!
RSC: Isso não sei, depende das pessoas. Há quem ache que é ainda bem, há quem ache que é ainda mal. Concordo contigo, também acho que é ainda bem. Mas isto para dizer que há muita coisa a acontecer fora desta noção de consciência e eu gosto muito desta discussão. Quais são os filtros que nós pomos sobre a realidade. Um desenho como os da Lifeline Series, do ponto de vista físico, matérico, não tem mais nada a acontecer. Mas esta noção de que cada vez que olhares para um daqueles desenhos ele vai vibrar com uma certa organicidade, de uma forma que vai ser diferente. Este elemento interessa-me tanto como a outra transformação. Não é porque uma é física e a outra perceptiva que as concebo de forma diferente. Tenho a perfeita noção de que não há outra coisa que não seja essa participação subjetiva do percipiente. Não é porque uma tem um correlato na realidade, com coisas fora da pessoa a mudar, e a outra acontece cá dentro, cognitivamente, que uma tem mais valor que outra. Não há outra coisa que não seja essa subjectividade pessoal. Mesmo as que se transformam na realidade na verdade só me interessam porque se transformam também na cabeça das pessoas. Se fosse só a coisa exterior não…

AM: Diz-me uma coisa, tu estavas a falar desta questão dos limites da consciência. De haver muita coisa que acontece fora de nós e que nós não nos apercebemos, que não conseguimos justificar, está no inconsciente, ou sub consciente ou noutro territória que venhamos a descobrir, a minha pergunta muito objectiva é, sobretudo no trabalho das linhas, na Lifeline Series, e agora na Winter, há um momento em que, de tanto estares a fazer a linha, sentes que desligas a consciência, ou estás constantemente alerta, ou quando isso acontece é o momento que páras? Ou seja, de que forma é que esse caminho que estás ali a fazer, quase metódico, lento, não é uma forma de tentares chegar a um território que esteja fora do consciente?
RSC: Eu não diria que é uma tentativa, mas que tem elementos desses processos tem. Já descrevi várias vezes aqueles desenhos como um processo próximo de meditação. Não que o procure, mas porque tem a ver com a execução. Não são desenhos que acontecem mecanicamente estando eu noutro lugar qualquer. Não acontece de facto assim. Não é um movimento físico que tem lugar com a cabeça noutro lado. Há momentos em que há uma espécie de esvaziamento de consciência, mas não é um desligar. Não chega a isso, tem elementos que se aproximam mas não chega a ser. Perceptivamente a coisa está sempre muito à flor da pele. Não é raro haver um salto nas linhas porque uma porta bateu com o vento. E expressa-se daquela forma. Se fosse um processo de desligamento consciente seria um pouco indiferente o que acontecia.

AM: Podia dar-se ao contrário, isto é, quando entravas nesse ponto tu próprio paravas a actividade.
RSC: Mas na verdade é impossível. Porque o processo é fisicamente exigente e apenas consigo desenhar continuadamente, a compressão das linhas, por períodos de tempo reduzidos. Tenho que fazer pausas. Estes ritmos fazem com que não seja possível. Hipoteticamente, em abstracto, podia conseguir-se.

AM: São trabalhos muito sobre o passado.
RSC: Onde é que começa o desenho? Como é que começa o desenho? Quando é que é o início do desenho? São questões que informam esta série. Estão na sua gestação. Aí é pegar na linha de tempo e tentar andar com ela até um limite, nesse sentido é andar para trás. Quando a concebi - a Lifeline Series - também procurei o limite físico daquilo que eu conseguia fazer para ter linhas muito próximas umas das outras, que fossem rectas. A dimensão destes trabalhos relaciona-se com o limite do meu movimento com estes parâmetros controlados. Estes postulados definidos à priori também tornam difícil esta noção, de uma abstração, de um desligar de um nível de consciência. Agora, se fosse possível, se me interessava ou não? Tenho dúvidas que me interessasse. Porque a ideia é aquilo ser uma espécie de tradutor, o tal sismógrafo. Um tradutor do que se passa com o agente. Se o agente se apagasse da estimulação exterior, ficaria apenas um registo mais acético. Seria menos interessante.

AM: E isso vai confluir com o que estavas a falar há pouco. O tempo, o silêncio, essa solidão.
RSC: Uma das coisas que me perturba no Olho de Boi como está agora, abandonado, é ver todo aquele potencial desaproveitado, a degradar-se. A ideia de começar as residências artísticas no atelier é uma coisa meio agridoce para mim. Interessa-me combater essa noção de espaço desperdiçado, não utilizado. A génese do projeto das residências começou quando decidiram emparedar os edifícios devolutos. Mas é agridoce no sentido que o meu local de trabalho perfeito é mesmo sozinho, com o Ernesto (o gato), se ele não me chatear muito. Essa noção de vazio, de silêncio, de ausência são tudo coisas que me interessam muito. Depois, obviamente, as peças reflectem isso. Procuro fugir das coisas espalhafatosas. Interessa-me essa ausência. Trazer essa ausência, esse vazio, para as artes plásticas. Os trabalhos com os quais me sinto melhor são aqueles que formalmente, objectivamente, plasticamente, não têm muita coisa. Tendem a ser coisas muito simples, quase suprematistas, formas direitas. Podemos discutir muita coisa, mas normalmente serão coisas implícitas. 

AM: Não acho que são simples.
RSC: São simples do ponto de vista formal, vá das formas. Depois interessa-me que eles tenham profundidade, que tenham profundidade de campo conceptual, que tenham leitura. Agrada-me a noção de que alguém que passe os olhos rapidamente sobre os meus trabalhos dificilmente veja alguma coisa. Dificilmente irá além de uma superfície de uma só cor ou tonalidade. Ou uma pessoa se dispõe a ter um bocadinho de tempo ou muito dificilmente verá mais do que isso. Quero entrar em diálogo com quem queira conversar. Não tenho interesse em entrar em diálogo com quem não está para aí virado. Temos um mundo com muita estimulação. Há muita coisa a consumir-nos recursos cognitivos. Sabemos que vivemos a maior parte do tempo usando poucos recursos, ou melhor, não vivemos a maior tempo no potencial dos recursos que temos. Somos muito fuinhas, se quiseres. Podendo, usamos os recursos mínimos. Não tenho a pretensão que as pessoas olhem para os meus trabalhos de outra forma.

AM: Usamos o mínimo possível.
RSC: Temos que ser parcimoniosos nos recursos que temos. E quando há coisas que nos interessam, quando temos tempo, motivação, quando temos de facto os recursos disponíveis então podemos estar dispostos a entrar em diálogo. Eu tenho perfeita consciência disto e não quero forçar o diálogo com ninguém. Se e quando houver alguém disponível as coisas podem acontecer. A construção de significado é seguramente algo que não acontece se não houver essa disponibilidade. A maior parte das vezes, com a maior parte das obras de arte, há uma primeira leitura fácil. Até pode não ser aquela que o autor pretende. Até pode ser o oposto.

AM: Acaba por ser muitas vezes um desbloqueador para o tal diálogo.
RSC: Claro, e não estou a dizer que é mau. É das características da produção de objectos visuais é que eles tendem a ter uma leitura, uma primeira leitura. Se é a que interessa é outra conversa. Que isso acontece, acontece. Eu acho que nos meus trabalhos tende a acontecer pouco, ou pelo menos em menor escala. Os trabalhos são crus, minimais, numa primeira impressão, parece que de facto há pouca coisa a acontecer. Mesmo os desenhos das linhas, ou uma pessoa se dispõe a tentar perceber o que ali está, ou se passar os olhos por cima o que ali está é apenas uma mancha.

AM: E muitas vezes as primeiras interações, o diálogo começa exatamente por um aspecto do processo.
RSC: Exatamente, e isso acontece, nem acho que seja um problema. Parte da abstração tem esse problema, essa dificuldade. É mais difícil iniciar a conversa. Se estivermos a falar de uma representação figurativa pode-se discutir o enquadramento, imagina uma fotografia de uma pedra de calçada, claro que também dá para discutir questões processuais, mas é mais fácil entrar de imediato numa questão de significação, não é? Essa parte formal já está resolvida, é uma fotografia, as pessoas tendem a perceber como é que as fotografias acontecem. Eu acho que no meu caso essa dificuldade, muitas vezes, no imediato, faz com que o possível seja começar a conversa pelo processo. Uma pessoa olha para aquilo e é difícil, não está a ler tempo, ou memória. As coisas não acontecem dessa forma imediata, ou espontânea, ou sobretudo rápida, parece-me. Lá está, mais uma vez, são tudo processos lentos, não tenho problemas nenhuns que eles também sejam lentos no diálogo que estabelecem.

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Conversation between Ana Matos and Rui Soares Costa
May 22 and September 10, 2017, Lisbon


Ana Matos (AM): Do you think the course you have taken in visual arts has a philosophical side? Do you see your work from a philosophical point of view? Or is it something essentially empirical, or experimental?

Rui Soares Costa (RSC): There is a procedural component in my work. In that sense it can be experiential as well as experimental — not to be confused with experimentalist. Although this might be the visible part, in fact it is not what interests me. I see my work as a way of producing knowledge, philosophical knowledge. There are several forms of knowledge, and as such, several ways of building up knowledge. In the contemporary Western post-positivist societies, science has become the predominant form of knowledge. It is the most renowned, perhaps the most relevant, definitely the one with more extensive applied consequences. However, there are other forms of knowledge, with multiple differences, some advantages and disadvantages. I understand both philosophy and visual arts as ways of producing knowledge. They are not a medium through which people express themselves. They are ways of creating knowledge, even if that knowledge is less objective and pragmatic, and sometimes harder to understand compared to other knowledge. Nowadays, with the predominance of science and technology in our daily lives, people tend to associate knowledge with objectivity, pragmatism and linearity. It is not unusual to see the use of attributes that are strictly scientific to describe knowledge. As if knowledge was limited to scientific knowledge. As if knowledge and science were the very same thing. But this is not the entire picture. Perhaps philosophy is the best example. Philosophy is — it has been in the past and will be in the future — one of the forms of knowledge that is most fundamental, tapping into the core of our humanity or existence. And it has very little to do with the pragmatism and linearity that most people associate with knowledge — for example, philosophy often questions categorical dualisms such as the separation between true or false. I see much of my work as a way of accumulating knowledge, a certain kind of knowledge that is built around visual objects. But that I truly hope goes beyond these objects.

 

AM: This philosophical idea of knowledge production is, as I see it, highly dependent of the materials you use. In a way, the experience of the drawings is different from the Sweet Series, or the Winter Series. The materials tend to be more than a medium for your work. They end up working as a way of transmitting knowledge.

RSC: Yes. The materials — whether sugar, varnish, fire or wood — participate in this process of knowledge creation. I don’t intend to transform the world according to my own image, or according to any strict a priori idea that is decontextualized from the surrounding environment. I usually work without having a very precise project for a visual piece in mind. I also don’t search for a set of transformations regardless of the materials that I am using. This kind of mechanism doesn't interests me so much. I am always looking for the context, for the relation with the environment and the surrounding world. In that sense, I use materials as elements that actively build the work. I don’t use them as handy tools that are out there to help me execute something that is already absolutely predefined. Materials are part of the process in a participatory way. Materials take part in the construction of the work. For example, varnishes are naturally glossy. They have reflections. The process of removing the reflection is artificial. It consists of the transformation of a naturally glossy varnish into a matt one. Varnishes are not naturally matt where gloss is added. It is the opposite. I appreciate this idea of bringing the different materials and the set of characteristics they have into my working process. I try to use and potentiate them. I look forward to engaging in a conversation with these elements so that they help me in my work. The gloss of a varnish, or its reflections, forces the spectator into the piece. It elevates the percipients self-awareness. Obviously this kind of thing has a huge impact on the way my work takes place. This contribution of the material fascinates me.

 

AM: And how do you end up using these materials? How did you start working with large plywood boards, to which you apply fire, sugar, varnish, and more recently, the precision burners?

RSC: Looking into my working process for twenty or so years, this fascination for what stands outside the strict circle of fine arts has been around for a long time. I don’t like the idea of exclusive materials, techniques or processes. But this is not an Arte Povera statement. Instead, it is an attempt not to be curtailed by what is defined as within the range of fine arts. It is an ideological statement. I have a certain repulsion for this notion of exclusiveness. There is an elitist and exclusivist construction that defines that certain things are accepted whereas some others are not. I don’t like ad hoc rules. I have always seen myself as an anarchist. So rules are there to be questioned. For example, one liter of varnish used in fine arts costs about four to five times more than one liter of regular varnish. You could say that it is a question of sophistication or one being better prepared to last longer than the other. But that is not necessarily the case, definitely not with such a price gap. It is a little bit like luxury products. There are no other products more disconnected from their real value (from the production cost of the object itself) and the symbolic value that society ends up giving them. Luxury is where this discrepancy is highest. In a certain way, whoever buys luxury products is assuming this self-inflicted cost. It is a similar story in the restricted world of fine arts and its set of limited materials and techniques. I don’t agree with this idea and don't play along with it.

I believe that this search for materials has something to do with the fact that I like to explore the world without self-imposed limitations. I mean, limitations will always exist — I cannot explore reality as if the sky was red and the trees were blue. There is a set of constraints from which it is difficult to move away. We don’t need to be imposing others. And going back to my early works, this relationship with the world has always been there, triggering me to explore outside the circle of fine arts. Explore, study and finally use materials in this process of knowledge pursuit. And research will always be an endless endeavor. Each answer to any given question will always carry an array of other questions. It is a multiplicative, infinite process.

 

AM: With your background in research that is so well reflected in your work, how do keep your work from being merely experimental? From being a simple exploration of the different possibilities and potentialities of the materials?

RSC: As I mentioned earlier, one thing is experimentation another is experimentalism. In one, the context is used to search for novelty as a source of knowledge and information in a conceptually driven top down process. In the other, there is an ad hoc approach where anything goes. I would say that these are opposite processes. One produces knowledge, the other, in the best-case scenario produces objects.

If the execution of a visual piece can have something to do with that experimentation that you talk about, there are lots of things that precede that execution. The methodological issues and the research around the materials have a lot to do with the execution. It is not related to the conceptual aspects of the work. Or it is less connected to the processes involved in producing knowledge. These conceptual, knowledge oriented issues, are what interest me the most and precede the actual execution of a piece. In fact, making a piece is in itself what interests me the least. The actual execution can be what takes longer, but it is never the core of my work. When someone starts painting a wall, one needs to finish what one has started. I see the execution of my work in this fashion. What can be interesting about painting a wall takes place before actually painting the wall. It is always conceptual. It can be about the decision of which white will be used, or about whether the paint is matt or glossy, or whether there will be texture. This set of decisions need to take place. Then there is the execution that will take time. I see much of my time spent in these procedural or methodological processes. But that doesn't mean that this is what interests me the most. The pieces cannot make themselves. I am interested in aspects such as the transformation, the transformation of the material, or the ways in which textures communicate and vibrate. How can we question the bidimensionality of visual arts? Painting and drawing tend to be bidimensional. I like to pursue the idea that this assumption can be bent. A texture, for example, is something inherently tridimensional. There is a third dimension to any texture. The notion of depth has to be fabricated on a bidimensional plan. There is a bidimensional surface where this other layer has to be inserted. This is no longer the case when we work with textures and the materials contribute to the process of creating a third dimension.

 

AM: There is a very thin line between experimentation and experimentalism. How do you navigate this line? This process is what is interesting and difficult.

RSC: I would say that the way my work takes place is in a set of equations with controlled, constant and predefined parameters. And as I said earlier, most of the work takes place before the execution, before even touching the materials. It is the opposite of a chaotic bunch of moving variables, of that uncontrolled experimentalism. Quite the contrary, there is a number of constant parameters and a strict and limited number of parameters under analysis. It is an algorithm where most parameters are essentially constant. For example, it is a deliberate decision to work with the vertical format and to keep exactly the same the proportion used in the different series. It is an attempt to keep constant what is not the core of my interest and that is not being actively studied. The elements that are being manipulated and that are under transformation are minimal — the controlled parameters. But of course, there is a certain degree of randomness in which the context participates. But I am comfortable with that. 

When I use a precision torch over plywood it makes a deep burn that causes the wood to crack. This cracking is not absolutely controlled. For instance, I don’t control whether the cracks turn left, or right. This is the result of the high temperature applied on the wood. It is the fire that drives the transformation. But by controlling the fire I am able to control, for example, whether the wood will crack or not, the degree of this cracking and whether the cracking is millimetric or centimetric. The resulting textures of the burnt pieces are the consequence of those decisions. It could be a brush full of paint. In my case it is applying fire with a torch. Why is it any different? A person applying more paint than the strictly necessary won't be in absolute control of what happens to that excess of paint. There is no such thing as absolute control, in the strictest terms. I believe it is the same with my work. But because the tool is different, its behavior is also different. But I don't see one process as different from the other. An acrylic painting, unlike an oil painting, dries in a few minutes. You can make it today and exhibit it tomorrow. This is a radical way in which the context determines the making of the piece and the artist, the agent, accepts the idiosyncrasies of the materials, the way they exist and behave. To say that some participation of the context is acceptable and some is not is, at the very least, ambiguous and strange.

 

AM: The outside world is always interfering; it can be the light or the way someone reacts to a piece…

RSC: Exactly, there are other aspects that have to do with the interaction with the outside world. Again, like a glossy varnish. A reflective piece exists in a way that cannot be decontextualized. It is impossible to photograph such a piece without the interference of light, without reflections. But that interference is part of the piece. To try to photograph it without such elements is to photograph something else that is not that piece. Once exposed to light there will be reflections. Unless it exists in a black box, without light or a world to interact with, it will always be in interaction with the environment.

In the sugar pieces there was another symbolic or conceptual dimension. That work was less about the pieces themselves, or the outcome expressed in the visual objects, and much more about having pieces that were more or less living entities. Pieces that will evolve, that will transform themselves over time. The sugar in itself has no particular interest. It is relevant here because it is organic and will be transformed over time. It helps me fight the idea that art is so important — or people want to make it so important — that it should aim for eternity. I am interested in exploring and questioning this assumption with pieces that are always evolving, that have a life cycle and end up disintegrating. I am definitely uncomfortable with certain mainstream aspects of art. One of them is the assumption that an artist should aspire to be making something eternal — as if posing for posterity. This relationship with eternity is very crude and I feel I have to question it.

I don't appreciate being in a comfort zone. There is always a search for the greyer areas. This might be derived from my scientific education. When someone is doing research there is always a search. Testing hypotheses in experimental research implies an attempt to falsify hypotheses. The researcher won't try to confirm a hypothesis. His/her job is to try to falsify the hypothesis. If the hypothesis resists after multiple attempts to falsify it, then it might be plausible. I find it very interesting to apply this process to visual arts. There is always an informed search for the border conditions in an attempt to expand our current knowledge. It is a search in an area that can compromise the status quo of knowledge. I see this approach as my own, in visual arts and elsewhere.

 

AM: Is beauty a variable in those hypotheses? Or is it something you are not looking for?

RSC: That is a very difficult and complex concept. Surely I am interested in aesthetics and the notion of beauty. But I do not try to make my work easy or pleasant. People tend to think about beauty as something that is enjoyable. I do not think it has to be that way. For example, many of the movies I enjoy the most are extraordinarily difficult. They are extraordinarily beautiful, yes, but not in a direct or immediate way, or in a first iteration. Frequently this intensity, this aesthetic relationship can only take place after several moments of confrontation and tension. I tend to feel more comfortable searching for those areas where beauty is not linear. I like to part away from easiness, linearity. Something that is easy, as it happens with lots of music for example, that comes and goes, cannot be interesting. I have these ideas well integrated into what I do. I would not like my work to be immediately enjoyable. Nor do I deliberately try to make stupidly unpleasant objects. But again, this is a very difficult question. The notion of beauty is necessarily a construction that is collective, social. It is highly dependent on aspects as strange as the number of times you interact with an object. From that point of view, it has very little to do with the object itself, let alone with the artist who created it.

Drawing is always the beginning. It is a very simple relationship between an agent, a tool and a support. In the case of the Winter Series the tool is more unusual, weird maybe. The tool is fire. The lines are drawn slowly with fire on wood. It takes time for the burning to happen. But it is basically a line, like a line on paper, stretched out in time. As if we had taken this time dimension and stretched it. Instead of lasting five minutes, it lasts five or ten hours. The decision about how the piece is going to happen is a drawing process, a drawing exercise. Then I perform the exercise. It is in this sense that I say that my work has very little to do with experimentalism, of that "let's see what happens". I mean, there are times when it can happen. But that is never what defines the process. That is not what I am after, what interests me. But ultimately it is true that when you are drawing with the torch you won’t be in an absolute control of the flame...

 

AM: That is exactly what I wanted to ask you. You can have a mental idea of what you want to do, but precisely because it is an instrument that has an unpredictable side or error, is there a greater difficulty than if it was a pencil?

RSC: There is this underlying and implicit idea that a process is only valid if and when it is totally controlled, or manipulated, by the agent that creates or executes it. But this makes no sense. Even if you are painting a portrait, or making a photograph, you already have a contribution of the agent and of the context. It is not merely a reproduction. Strictly speaking there is no such thing as a reproduction. It is not even the case with photography. It is never a direct transposition of an image from reality into a support. There is always some degree of transformation. Somehow it has been stipulated that there are levels of this transformation, of the interference of the context in this transformation, that are acceptable and others not. This confuses me. And contemporary art, especially abstract art, tends to be unfairly evaluated in this way. It is this notion that there is some context that interferes with what the artist is doing that is acceptable, whereas other is not. It seems that it is only good if the artist annuls the outside world and there is only an absolute control of a given technique. But there is no such thing. Even in that case, where there is an ipsis verbis representation of reality, this absoluteness does not exist. There is always an immense, endless set of context contributions that is being incorporated. For example, when I am burning with a big torch that produces a large flame, if there is a breeze in the room, this will have an impact on the flame’s behavior. It is going to push it one way or another. But of course there can be control. I can make sure the room has no air flowing. Or I can, by contrast, open specific windows to create directional airflows. Or create a dynamic pattern in which the flame moves from one side to the other. But ultimately the flame will have a behavior that is not absolutely, entirely determined by me. That does not bother me. It is a part of a process that I accept. Is it any different with any other technique? I do not think so. In the Lifeline Series, if I drink twenty cups of coffee before drawing the lines will jump more than if I meditate for five hours. We are entities in relation to the context, always. There is no escape, no way around it. The context always influences, trying to state otherwise is a falsehood. If someone says the contrary, I will say it is factually wrong.

 

AM: I think that in addition to the context, your work also has a lot to do with time. The time that is inherent to the process itself. And it is a time that is simultaneously mental and physical. Because these pieces take time and that extended time is part of the process.

RSC: These different lines of work may appear to be different but that is the case only superficially. I would be in an uncomfortable position if my works on paper were these slow and meticulous drawings and the other works were instantaneous. They would be too detached, disparate. Even on the level of detail all works share similarities, despite the fact that some may seem to rely on chance more than the others. They are all very slow. To execute them is almost a process of mortification. Sometimes getting into the execution process is painful because I know exactly how long it will take. That is why I work every day. As it turns out the process is slow. But this does not mean that the time involved in producing the pieces nor the amount of context involved should be criteria for evaluating the interest or quality of the work.

 

AM: I think it would be interesting to look at the other side of your work, that has more to do with these conceptual issues.

RSC: I have no problem whatsoever, quite the contrary, in discussing processes because I think there should be no secrets in the mechanism. From this point of view the work is to be understood exactly as it is. It seems to me that discussing the process is very organic and honest. There is nothing to hide. This might have to do with the importance of replicability related to my background in science. Specifically in the Lifeline Series it is almost an exercise that could be performed by someone else. It would be interesting, as a proposal, to have it executed by another artist. There are predefined parameters and then it takes someone with a lot of patience to actually do it for as long as the execution demands. But this other person and the resulting vibration that the line would have could perfectly happen. You can install a seismograph here, or in the Azores Islands, and it will tell you different things. But the apparatus, the formula itself, may be the same. These drawings, these lines, this work, has this underlying assumption — a different person could be executing them. I have this predisposition to speak of the process, because I consider it to be less pretentious. The meaning, the conceptual side, exist of course! In fact, it cannot not exist. It is structural, fundamental. But I always refrain from starting this conversation because I do not want to force a specific reading of my work. The possible interpretations are multiple; I have my reasons to do things in a certain way, but often they may not be the most interesting ones for the perceiver.

 

AM: Yes, but they give clues to interpret your work. And that was where I wanted to go.

RSC: I agree, I am only saying why, many times, I am more spontaneously prone to discuss the procedural or methodological aspects of my work. It is the description of a process, of an event. I am not particularly interested in talking about the meaning of my own work. I believe I am the least interesting person to do so. Then there is another aspect that disturbs me and that I actively fight. The other day someone said about the Winter Series (fire on plywood) that this work is very relevant nowadays because we live this dramatic situation with wildfires raging in the country. But this posterior connection to actuality goes against a principle that comes from my scientific background. Post hoc tests are not easily tolerated in hypothesis testing/experimental knowledge. The mechanism must always start with a theoretical idea, that is, you have a hypothesis that you derive from a theory, and only then you will test that hypothesis to see if there is a correspondence in reality. It is this narrative that is used, not the opposite. Theoretical hypotheses are tested, never the opposite. Theories are not formulated from ad hoc results. It is highly objectionable to invert this dynamic of hypothesis testing and do the opposite (get some data and, later on, invent hypotheses, or theories to explain the data). I do not like, nor consider valid, this post hoc logic of making an interpretation of the world. This is true for scientific knowledge as it is in my artistic practice. My work with fire has absolutely nothing to do with the broad problem of wildfires. But of course, if there is contemporary art being produced with fire in a context where wildfires are such a grave problem as it is in Portugal today, there is a relationship that can be discussed. But one does not exist because of the other.

 

AM: In your artwork, the process is a set of hypotheses and variables that you study and that you test through an experimental process. In this scientific rational, when you reach the end, how do you interpret? It is not about explaining the concept or proving anything. It is simply about giving clues so that whoever sees your work can have a light that leads to a possible meaning, a path.

RSC: It depends. The working process is variable. For example, the Lifeline Series could not be more determined from the start. From the moment the study takes place and the decision is made that it will become a whole piece, it is already set where the line begins and where the line ends. But it is not determined how the lines vibrate. I am pretty certain of the artist's irrelevance in this process of meaning construction, of self-signification. That is, I do my job and in the end there is a product, a series of objects. The multiple pieces that constitute a series relate among themselves and that says something. There is an interpretation. As I say, what I am interested in, the starting point of these works, is drawing. I would say that my destination also tries to be drawing. At least that is the goal. Drawing is the freest way to look at visual expression, the way you translate something into a visual object. I see these forms of drawing as exercises of drawing being extended to different formats. I like to integrate organic materials — wood and resin — and try to understand what and how they can tell us, in particular through transformative processes. The fire, in the Winter Series, accentuates this aspect. Most of the work in visual arts is a kind of overlap. There is a support (e.g., paper or canvas) that will be covered with something. But you always have a support that serves as a basis. Working on wood with varnish (resin) has this organic element; it is part of the nature that is brought to the studio. This contribution is not always peaceful. All wood has patterns, for example, that I may not like. But I do not try to eliminate them; I invite them to participate in the construction of the piece. Most of the time you use the support only as such, in principle it is the place where something will happen but it has little function other than to endure what happens. I like to start working already on the support. The support also has a role. In this case, working with fire transforms the support itself. The support is impregnated by the way you are approaching and transforming it. This interests me, to bring the organic world into the atelier, to work on aspects that imply the transformation of this natural world. And then, from a conceptual point of view, I like to be surrounded by concepts such as time and memory. I find the speed and superficiality in which things seem to be conceived, lived and consumed in the contemporary experience to be very disturbing.

I especially like to work the notion of time, time as a continuum that can be manipulated. At some point we enter the timeline and then we can work or manipulate that line, the experience of time. We can compress it, we can stretch it. The works are either themselves transformable, in the sense that time enters and participates in them, transforming them (Sweet Series), or having stopped transforming themselves they are like capsules that enclose time (Lifeline Series). These are works that, in the conception process, need maturation. It is not only about the artist arriving and doing what he has to do and the work is ready. I like to think that the elements have to take part. And this is true for virtually all of my work. These are ripening times, more than drying times. It is a seasoning process, to a certain extent similar to wine ageing. And here the slowness of the process is essential. Because manipulating the context during this maturation will have an impact on the result, just like it happens with the wine. It is not the same whether the barrel where the wine ages is of French or American oak. It is not a simple, passive wait. It is not just about waiting for the water in the acrylic to evaporate. I am interested in working on these notions and then I think this ends up being present when you are confronted with my work and what is behind it. In terms of what the outcome is, the end product itself, I am a lover of simplicity and minimalism, emptiness and absence. I always seek what is not pretentious from the formal point of view. When you look at most of what I do, it does not aim to be formally very complex. The pieces are very simple, either they are textures without form, or when there is form, it is close to geometric. It fascinates me to explore what makes an orange surface become orangey, having a vibration that changes whenever you look at it. That seems to have life. I do not care if people see a specific image. I am interested in textures, vibrations, how a piece can exist on its own. It fascinates me to look at a piece and let it tell me different things every day. Not because it is a representation like Bosch's compositions where you are always discovering new characters, or new ways in which the characters interact. But because the piece will be different, it will look different and with the daily changes in light the reflections will vary. The way it is shown to the world will always be different. I pursue this idea that the work should be, to some extent, alive. It has a continuation. It is an extension of the idea that abstract art forces the spectator to participate. If you look at one of these pieces and you do not intend to get involved, you will hardly see anything. Either there is a willingness to construct meaning and enter the narrative, or nothing happens. To that extent I would not necessarily say that these pieces are more demanding, but they do need a spectator who is willing to participate. I like that. Obviously this happens, to a certain degree, with any artistic object, whether it is figurative or not.

 

AM: There are those who argue, by the way, that all art is abstract.

RSC: Yes, when you put it in terms of figurative versus abstract art. There is no representation that is not interpretative. From this point of view, there is no pure or hard reality. So from the moment you have an artist, a photographer taking an absolutely objective picture, you have a frame, you have a selection, you have...

 

AM: That is why it is an artistic object.

RSC: It quits being reality. Incidentally, this is another interesting notion. The idea that there is a reality, something out there with factual existence, regardless of everything else... But I would say that there is nothing besides a perception of reality. Even our notion of color is informed by the radiation that comes from the sun, with its chromatic spectrum. It could be different.

 

AM: And there are people who see the same color differently.

RSC: The trees are green in this physical world, if the physical world was slightly different and the radiation from the sun came to us a little differently, the trees, as we know them, would not be green, they would have another color. In fact, no one sees exactly the same way. It is always an interpretation, a relationship with an object that has to go through a perceptual filter until it reaches the percipient that will construct meaning. No one lives in a vacuum or in a laboratory, empty of stimuli and elements. An artist would not be able to produce anything if he didn't have a prior experience of a certain reality. If I have to enter this discussion, I have no doubt that all art is abstract and there is nothing but a certain degree of abstraction. Now, there are those who feel better in territories where the similarity between reality and the artistic object is greater, and there are those who are more fascinated exploring other representations. But they are always representations and they are always representations of reality(ies). But the reality is not just landscapes. It may even be non-visual. It can be a representation of a soundscape, as it is the case with lots of André Gonçalves's work.

 

AM: There is a political side to your work, in the sense that there is a clear intention on your part to use materials, instruments and processes that are less conventional, to bring elements from nature, a kind of recycling, to seek materials that are not “noble”. On the other hand, there is also a philosophical attitude towards dealing with variables that have to do with a transcendental side of our existence. Do you feel that these concerns resulted from your way of being, or did you develop them later on?

RSC: Let me try to answer the second part by starting with the first. I have always been confused by the masses, because I have always been fascinated by silence, solitude, knowledge, by the situations in which the individual follows his own mind. It must be the ballast of my parents, my family, having been on the side of the resistance to the dictatorship. Now to get to the second part of the question, it is unequivocal that there is this quest, this quest for materials not because they are less "noble" but because they are rarely used. The world is fascinating and extremely rich, so it is up to us to explore this potential that is out there. It is very limiting, reductive; to say a priori that from the range of colors available we will only work with three, with the three noble ones. But why can’t we use the others? This kind of narrative has always confused me. I am drawn to the border areas, the boundary conditions. If I see that everyone is using these three colors, then I feel that these three colors don't need my attention, they are in good hands. There are very good people looking after them. Let me look at the other fifteen who happen to be just there. If I were to work with these three colors I would not do an interesting job. There are people who are much more competent and capable than I will ever be.

 

AM: But at a certain point in your artistic activity it can happen that, for a given project, you want to use precisely these "three colors." So my question — provokingly — is: are you choosing materials not because they are alternative or because no one uses them, but because in a certain context, for a certain purpose, those are the best options?

RSC: Right. This is unequivocally the reason. But it is also because they are less used. Let me try to explain this paradox. When materials are mainstream (trying not to focus too much on the materials, this conversation could be about concepts, we could be talking about it in conceptual terms) it is unlikely that I will be interested in addressing them. I prefer to be looking into border conditions, more ambiguous territories, where my attention may be more necessary. When a subject is conceptually solved, it no longer interests me as an object of my work. I am naturally, organically, in more marginal or border areas. This is where I feel better, where I believe my contribution may be more relevant. This has costs, obviously. I will never tell you that I will not work with these three colors because everyone is working with them. But I have a hard time being interested in the mainstream, in looking at these three colors as objects of my work, knowing that I can be discovering something new within the other range of colors.

 

AM: The subject of time is transversal to many artistic areas. It is mainstream in a way.

RSC: In fact concepts like time, or memory, are so infinite and abstract to some extent, that it is impossible to solve them. There will always be multiple perspectives on any of them and therefore it is possible to always look at them in a new way. Apart from that, we are nowhere near the end of history. There are no settled or closed boxes, in a strict sense. In a drawing like those of the Lifeline Series, I try to compress time, as if the drawing was a time-compressing mechanism, exactly like the machines that compact cars in the junkyard. Those drawings are compactions of time. They are like presses. In the background are months being compressed, translated into a piece of paper. It is like a visual compaction of time. I look at these works very much in this way; it is a press that is out there, ready to be applied.

 

AM: When you speak of this time do you speak of past, present, or future?

RSC: In the Lifeline Series I see an online process, it is about doing the real-time translation of the agent to the support. Deep down it will be a present time, or a past present. In the Sweet Series there is a time when the pieces are produced and then they are put in the world and we wait for the world to do its part. In that sense it is clearly more prospective. The Winter Series is in a border area. It is also a bit prospective, since it is work on wood, organic matter. It is necessarily something about a future time. There is a continuation, not so obvious, but it is there. But it is also impossible that the previous time, the past, is not there as well.

 

AM: Of course, and the context in which it happens. From this conceptual point of view, I think there is a difference between the Lifeline Series compared to the Sweet and Winter Series. These have by their formal characteristics and what you intend to happen in the work, this absorption of time and how it will change the work itself. So it refers to a future time.

RSC: Even the others, the Lifeline Series, have something prospective as well. As I said, the idea is to have them moving. It's going to be a perceptive move, not a real one. But they are dynamic. One of the most relevant things my previous career has given me is the notion that there is much more happening with us than we are conscious of. There is a great deal going on outside consciousness, and I am interested in using that in the construction of knowledge. Everything we do in life goes well beyond the restrictive vision of being the product of consciousness, of a rational brain. As if we were masters of this operation. As if we made the decisions we want, as we want ... There is a lot happening outside consciousness. I like this discussion very much. Which filters are we placing on reality? A drawing like those of the Lifeline Series, from the physical, material point of view, has nothing else happening there. There is no physical transformation. But every time you look at one of those drawings, it will vibrate with a certain organicity, in a different way. This transformation is as interesting as a real transformation. There is nothing other than personal subjectivity. Even the physical transformations only interest me because they also happen in people's minds.

 

AM: You were talking about this question of the limits of consciousness, what happens outside our consciousness that we are not aware of, that we cannot justify. This is the unconscious, or subconscious or another territory that we may discover. My question is, especially in the Lifeline Series, and now in the Winter Series, is there a time when you feel that you are turning off your consciousness, or are you constantly alert? Or when it happens, is it the moment to stop? That is, why is it that what you are doing here, methodically, slowly, is not a way to try to reach a territory that is outside consciousness?

RSC: I would not say it is an attempt get away from consciousness, but the process does have elements that resemble meditation. I have described these drawings several times as a near-meditation process. Not that I am looking for it, but because the execution leads me there. They are not mechanical drawings. It is not a physical movement that takes place with the head elsewhere. There are times when there is a kind of emptying of consciousness, but it is not a disconnection. It does not come to that. Perceptively it is always very much under the skin. It is not uncommon to have a jump in the lines because a door slammed. And it is expressed in that way. If it was a process of conscious detachment what happened around would be indifferent.

 

AM: It could be the other way around, that is, when you came to that point you would stop drawing.

RSC: But in fact it is impossible to get to that point. Because the process is physically demanding and I can only draw the compression of lines continuously for short periods of time. I have to take breaks. These rhythms make it impossible to drift out of consciousness. Hypothetically, in the abstract terms, it could happen.

The questions that inform that series are: where does drawing begin? How and when does it begin? I get into the history of drawing and try to walk backwards in that timeline. Until I reach a limit. When I conceived the Lifeline Series I also looked for the physical limit of what I could do to have straight lines that were very close to each other without touching each other. The dimension of these sheets of papers is related to the limit of my movement with these controlled parameters. The postulates that are defined a priori also make this abstraction, this disconnection from consciousness, more difficult. Now, if it was possible, would I be interested? I have doubts that it would interest me. Because the idea is that it is a kind of translator, a seismograph. A translator of what goes on with the agent. If the agent wore off the outside stimulation, it would be a cleaner register, closer to a machine. It would be less interesting.

 

AM: That relates to what you were talking about earlier: time, silence, this loneliness.

RSC: My perfect workplace is by myself, alone, with Ernesto (the cat), if he does not bother me too much. These notions of emptiness, of silence, of absence are all things that interest me very much. I try to run away from fussiness. I am interested in this absence and bring this absence, this emptiness, to my work. The pieces with which I feel better are those that formally, objectively, plastically, do not have much. They tend to be very simple things, almost suprematist compositions.

 

AM: I do not think they are simple.

RSC: They are simple from the formal point of view. I pursue depth at the conceptual level. I like the notion that someone who glances quickly at my work hardly sees anything but a surface of one color or shade. Either a person is willing to invest time, or they will hardly see more than just that. I want to enter into dialogue with those who want to engage in a conversation. We live surrounded by stimulation. There is too much out there consuming our cognitive resources. And curiously we live most of the time using only part of our mental resources. We are not always living up to the potential of the resources we have. We tend to function using the minimum possible. People have to be parsimonious with the resources available. When something interests us, when there is time, motivation, when these resources are available, then we may be willing to engage in a dialogue. I am perfectly aware of this and do not want to force a dialogue. If and when someone is available, it will happen. The construction of meaning is surely something that does not arise if there is no such availability. Most of the time, there is an easy first reading of an artwork. It may not even be the one the author intended. It may even be the opposite. One of the characteristics of the production of visual objects is that they tend to have an interpretation, a first interpretation. If that is the meaning that matters, it is another question. I think my work does not facilitate this first signification. At first the work is raw, minimal, it seems that there is little going on.

 

AM: And often the first interactions, the dialogue, begin exactly with one aspect of the process.

RSC: Part of the abstraction has this problem, this difficulty. It is harder to start the conversation. If we are talking about a figurative representation one can discuss the framing. Imagine a photograph of a sidewalk, of course one can also discuss procedural matters, but it is easier to immediately enter into conceptualization. The formal part is already understood, it is a photograph. I think in my case this difficulty makes it easier to start the conversation by the process. A person looks at it and it is difficult, the work won't be screaming time, or memory. It does not happen that way, immediately or spontaneously, or fairly quickly. These are slow processes, and these are necessarily slow pieces in the dialogue they establish with those who observe them. And time is the most precious thing we have. It is the only thing we cannot add to our existence. We are always in a countdown. I have the humility not to impose my work, and the time it implies, on anyone.