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“Estes pés só pisam o vento” é o nome da exposição que a Ana Matos e as Salgadeiras apresentam do Rui Soares Costa.
Na folha de sala, da autoria da Joana Valsassina Heitor, li uma coisa muito bonita, que me fez pensar e até ver o trabalho do Rui de outra maneira. Eu tinha aprendido que uma recta era uma sequência de pontos, mas é muito mais bonito pensar que uma recta é o percurso de um ponto, que se desloca sempre na mesma direcção, a direito.
Vistas as coisas assim, dei por mim a pensar que cada um dos traços que o Rui traça à mão, seja com a delicadeza da caneta, seja com o fogo do seu ferro (de certeza que há um nome técnico para esta técnica, e tivesse eu estudado o assunto, pois que vos informaria do mesmo, mas paciência) é uma vida. Ao lado de outras, paralelas, a uma distância mínima, quase tangente, que vistas à distância parecem formar uma massa uniforme, ainda que difusa, mas que olhadas de perto mantêm intactas a sua singularidade, graças às imperfeições que só o traço humano permite.
Vidas, portanto. Até porque, ao contrário das rectas, têm fim. Que é determinado pela impossibilidade do Rui em prolongá-las fisicamente, como se ele fosse um Deus que se cansasse.
Poetizo sobre a coisa e não era preciso. Não há nada de banal na técnica dele. Um traço que começa no início do quadro e sem levantar a ponta da caneta, vai até ao mais longe que o Rui humanamente consegue. E assim sucessivamente.
Ao fim de 15 minutos o Rui para. Descansa a vista e faz a sua contabilidade. Literalmente. O nome de cada quadro resulta do número de linhas, do número de canetas entretanto exangues de tinta e os dias que leva a ser feito.
Dou, por isso, comigo a pensar, se o que vejo não é o querido diário de cada um daqueles pontos, a história da sua vida, do princípio ao fim. Por onde andaram, o que viram, com os seus pés a caminharem sobre o vento. Porque é que nunca se desviaram, voltaram atrás, escolheram sempre o percurso mais directo, aparentemente sem hesitar?
E se, ainda mais bizarro, a tela fosse um corte interdimensional e cada viagem de um ponto, não fosse a de um ponto diverso, mas sim sempre do mesmo ponto, mas em universos paralelos?
Não sei as respostas a estas perguntas, também porque não sei sequer se são as perguntas certas.
De todo o modo, o que importa é que são tão bonitos, elegantes e delicados, como aqueles em madeira são poderosos e magnéticos.
Porque sendo aparentemente a mesma mensagem (os traços, os pontos em viagem) o modo de lá chegar é completamente diferente. Se o traço acrescenta à folha em branco, a chama cria o traço, subtraindo à madeira. Esculpindo-a pelo fogo. O resultado é tão poderoso quanto fascinante.
Como fascinante e poderoso é o processo de trabalho do Rui, que ele bem documenta, duro, fastidioso, de um rigor e disciplina verdadeiramente espantosos.
Em suma, merece, mais do que merece, exige, que vão até lá, que apreciem também a música que foi criada especialmente para acompanhar as peças.
Parabéns ao Rui Soares Costa e à Ana Matos.
Pedro Goulão
Maio 2019