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Tinha já dado uma volta completa à galeria olhando apenas, sem ler quaisquer informações ou tabelas das peças, como é meu costume, quando me veio ao espírito um longo título em inglês: "Six Thousand Two Hundred and Fifty Five Lines", a saber, "Seis Mil Duzentas e Cinquenta e Cinco Linhas", uma peça de Sol LeWitt publicada em 1970. Logo a seguir, ao ler as tabelas, encontrei igualmente alguns números identificando quantitativamente desenhos sem título, tais como "35.985/4" ou "51050/3", onde o primeiro número se refere à quantidade de traços e o segundo às canetas gastas nesse traçar. A semelhança destes registos não esconde profundas diferenças entre o traçado quase mecânico do americano e a teia de espaço e tempo concentrado de Rui Soares Costa (n. 1981). No entanto, algo de comum os reúne; ambas as obras são suportes de meditação: o registo quase ritual dos pequenos traços de Sol LeWitt tem a ver com uma sua conhecida frase: "Conceptual artists are mystics rather then rationalists" ("Sentences in Conceptual Art", 1968); enquanto não me parece haver diferença entre meditar e fazer nos desenhos do português, que chega a falar, justamente a propósito desse fazer, num "esvaziamento da consciência". Estes seus trabalhos funcionam como outras tantas armadilhas para o ver, depois de ultrapassada a fase do simples olhar, que provocou a comparação com Sol LeWitt, já que ao tempo longo de feitura de cada obra deve corresponder um tempo igualmente espaçado de contemplação, porventura sem palavras nem conceitos. Assim, a obra de LeWitt, que se olha num instante mas leva tempo a entender, ajuda-me a ver melhor a de Rui Soares Costa, que imediatamente se entende mas nunca mais acaba de se ver.
José Luís Porfírio
Novembro 2017